Quem vive nas ruas de Belo Horizonte, mesmo aqueles que já se acostumaram à rotina precária de muitos anos, não perde de vista o sonho de reconquistar um lar. Valdeci Melito Brigido, de 52 anos, está em situação de rua há mais de duas décadas. Ele foi forçado a seguir essa vida depois de perder os pais, aos 30 anos, e não conseguir um emprego.
Hoje, sem documentos, Valdeci não consegue sequer almoçar no restaurante popular, tampouco enxerga oportunidade de trabalho. “Gostaria de sair da rua, ter um emprego. Que outro sonho eu poderia ter? Mas oportunidade não tem. Para quem tem estudo, é complicado. Imagina para quem não tem”, desabafa.
Esse é o caso de mais da metade dos entrevistados pelo Censo Pop Rua 2022, realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG a pedido da Prefeitura de Belo Horizonte. O censo mostrou que 55% apontam a falta de trabalho assalariado como maior obstáculo para saírem da rua. Em seguida, estão a falta de moradia (55,3%) e de programas do governo (27%) e a educação precária (17%).
O pedreiro Aécio Antônio da Silva, de 58 anos, também sonha em voltar para o mercado. “Quero comprar novas ferramentas, sair dessa situação. Não desejo isso para ninguém.” Ao Super, Aécio contou que conseguir um emprego representa a possibilidade de recuperar a dignidade. “Na rua, a gente dorme com um olho fechado e um aberto. A gente arruma um papelão, deita. Quantas vezes eu estava cansado e acordei sem meu cobertor ou sem meu saco de latinhas”, lamenta. Na pandemia, Aécio perdeu a fonte de renda e há nove meses vive na rua. As histórias dele e de Valdeci se multiplicam diante de um dado alarmante: de 2013 a 2022, a população em situação de rua de BH passou de 1.827 para 5.344, aumento de 192%.
Problema cresceu no Brasil durante pandemia de Covid
A população de rua superou as 281 mil pessoas no Brasil em 2022. Isso representa um aumento de 38% desde 2019, após a pandemia de Covid-19. Essa é a conclusão de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O trabalho alerta que o aumento de pessoas nas ruas é, proporcionalmente, muito maior do que o da população em geral. Em dez anos, de 2012 a 2022, o crescimento desse segmento vulnerável foi de 211%. Segundo dados do IBGE, o aumento populacional brasileiro foi de 11% entre 2011 e 2021.
“Várias dessas pessoas estavam trabalhando informalmente. A pandemia dificultou. O que a gente ouve deles é que eles só estão ali por falta de uma política complementar”, diz Samuel Rodrigues, do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR).
Abrigos
Belo Horizonte tem 5.300 pessoas em situação de rua e 2.600 vagas disponíveis em abrigos, casas de passagem, repúblicas e unidade de pós-alta hospitalar, segundo informações da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania.