A polêmica medida provisória 927, publicada na noite desse domingo (22) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi alterada na tarde desta segunda-feira (23) em sua determinação mais controversa: a que permitia a suspensão do contrato - e dos salários - de trabalhadores por até quatro meses, devido ao período de quarentena contra o novo coronavírus. A MP foi editada e a permissão não existe mais.

Para o advogado especialista em direito do Trabalho Caio Gabriel, a edição não foi um ato de "bondade" do presidente. "Ele colocou 'o bode na sala' para testar a reação das pessoas e viu que a rejeição foi quase imediata e unânime, até entre a base aliada dele no Congresso, que é uma prática que ele vem adotando há um tempo", afirma.

Segundo o especialista, o artigo que previa a suspensão feria a Constituição Federal em, pelo menos três pontos: o da garantia da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da irredutibilidade salarial. Para ele, embora a MP garantisse que a suspensão só seria possível mediante oferecimento de um curso profissionalizante on-line, não havia como garantir que a empresa arcaria com esse curso ou simplesmente escolheria um curso qualquer sem, talvez, pagar por ele.

Nesse sentido, Luiza Regina Lima, também especialista em direito do Trabalho, concorda sobre a inconstitucionalidade da medida, considerando que ela feria a dignidade humana. "Em outros países onde algo parecido foi feito, os governos optaram por colocar o seguro-desemprego no lugar do salário, mas aqui não houve nenhuma garantia de que o trabalhador conseguiria se manter", disse.

A advogada trabalhista Lilian Santiago ainda pondera as dificuldades que os trabalhadores encontrariam com salários suspensos: "Esse artigo viola diretamente nossa constituição. Imagine, de repente, você fica sem salário nenhum? Só iria piorar a economia. Imagina a pessoa doente?".

Saída para empresas

Tanto Lilian quanto Luiza concordam que algumas definições trazidas na medida provisória são benéficas para sustentar empresas neste momento de crise. Temas como a antecipação de férias coletivas, individuais, de feriados e a regulamentação do teletrabalho foram consideradas necessárias pelas especialistas. "As empresas vinham procurando entrar em acordos da melhor forma possível sobre esses temas, mas a MP oferece mais segurança na hora de tomar atitudes", afirma Luiza.

A advogada ainda analisa a relação de interdependência econômica entre trabalhador e empresários: "a empresa sem empregado não funciona, e o empregado sem salário não gira a economia e isso também fecha empresas, é um ciclo vicioso. Então o melhor caminho é agir com responsabilidade e razoabilidade".

Caio Gabriel, por sua vez, acredita que o decreto presidencial deve ser alvo de uma enxurrada de ações judiciais até a terça-feira (24). "Entendo que as empresas têm que estar com a saúde em dia, mas postar uma medida dessa natureza, com violações tão grandes à Constituição e prestigiando unicamente empresas, sem que o governo coloque a mão no bolso, nos deixa muito preocupados com o que está por vir.

Sindicatos de todo o país, conforme Gabriel, estão se organizando para questionar a constitucionalidade dessas medidas na Justiça.