Outubro Rosa

Atividade física dá força e alivia luta contra câncer

Esporte ameniza as dores e os efeitos colaterais que o tratamento provoca

Seg, 21/10/19 - 05h00
Rosiane Alves, que teve câncer de mama e associou o tratamento a pratica de pole dance, reduzindo efeitos colaterais dos medicamentos | Foto: Flavio Tavares / O Tempo

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O içar do corpo por meio de um impulso que parte de si mesmo, o rodopio completo, o giro de ponta-cabeça. Esses movimentos, presentes no cotidiano de Rosiane Alves, 36, funcionam como metáfora para descrever o momento de vida pelo qual, há poucos anos, passava a hoje apaixonada praticante de pole dance.

Ocorre que a empresária descobriu, aos 32 anos, um câncer de mama. Ela passou por cirurgias e enfrentou complicações. E foi por meio da atividade esportiva que Rosiane encontrou maior conforto e conseguiu reduzir efeitos colaterais do tratamento pelo qual está passando. 

Sim, ao contrário do que faz crer o senso comum, os exercícios aeróbicos e isométricos e a musculação podem estar na rotina de pacientes oncológicos e contribuir para o bem-estar dessas pessoas – desde que com o devido acompanhamento profissional e respeitando-se as condições particulares de cada um, o tipo de tumor e seu estágio.

“Meu filho estava para completar 5 anos quando, depois de perceber um nódulo (no autoexame de câncer de mama), resolvi fazer um check-up”, lembra. Rosiane insistiu em fazer mamografia. Antes do resultado, fez a retirada do nódulo. Passados dez dias, “chegou o prognóstico, e as reações foram todas, menos acreditar. Minha vida, então, virou de cabeça para baixo”, recorda.

A empresária, que desde os 20 anos pratica musculação e corrida, foi recomendada a continuar com as atividades no decorrer do processo. “Isso foi me ajudando a me recompor. Dores, que muitos pacientes reclamam sentir, eu não senti. Efeitos colaterais dos medicamentos também não me afetaram”, celebra.

Mas, então, 15 dias depois de enfrentar uma mastectomia, ela precisou passar por um procedimento de esvaziamento da axila. Foi quando as dores musculares começaram a aparecer – quem passa pelas duas cirurgias pode sofrer algumas complicações nos braços, como dormência, dor e perda muscular. “O oncologista sugeriu que eu intensificasse as atividades, mas era impossível: já fazia musculação e corrida todos os dias”, conta. 

Foi quando ela descobriu o pole dance, passando a incorporar o exercício ao dia a dia, sem abandonar outras práticas. Desde então, ela percebeu melhoras em seu quadro. O braço desinchou, as dores diminuíram, e houve ganho de condicionamento e de musculatura. 

Em 2020, Rosiane planeja participar do campeonato mineiro da modalidade. No ano seguinte, ela conclui o procedimento de hormonioterapia, última etapa do tratamento.

No pódio da maratona da vida

Educadora física e atleta de corrida há oito anos, Sandra Drago, 41, também fez do esporte um aliado na luta contra o câncer de mama – diagnosticado há dois anos.

A maratonista já tinha em seu currículo participação em competições de renome, como a Corrida Internacional de São Silvestre, em São Paulo, a Corrida das Luzes, em Vitória, e a Corrida Internacional na Patagônia, no Chile.

De toda trajetória, no entanto, um dos mais recentes e importantes pódios foi conquistado em Ouro Preto. Um dia depois da sexta de dez sessões de radioterapia, após a conclusão da etapa de 16 quimioterapias, ela alcançou o primeiro lugar nos 10 km do X Terra 2019, em 2 de junho.

“É um processo curativo que gera fadiga, cansaço – e eu também passei por isso”, reconhece. Mas, “pela minha vivência como atleta, foi algo controlado”, expõe a maratonista, que cuidou da doença em BH e sempre buscou associar os procedimentos oncológicos à prática esportiva. 

“Eu nunca me senti doente”, garante Sandra, que, em outubro do ano passado, participou da 3ª Corrida Rosa, que ela ajuda a organizar em sua cidade natal, Teixeira de Freitas, na Bahia. Dez dias depois, estava dentro do centro cirúrgico para retirada do nódulo, da aréola e do mamilo. Ela ainda precisou passar pelo procedimento de esvaziamento da axila, mantendo-se ativa o tempo todo.

Sandra hoje é patrocinada pela clínica em que entrou como paciente. Ela encara as corridas como forma de demonstrar para mais pacientes oncológicos que “há vida durante o tratamento de um câncer”.

Mitos e crendices atrapalham os pacientes e a prevenção 

Vista como incapaz e frágil, a empresária Rosiane Alves, 36, enfrentou o câncer de mama e todos os preconceitos que cercam a doença e seu tratamento. “Ouvia muitas recomendações, nunca solicitadas, de que devia me repousar mais, de que não devia praticar esportes – e esta era uma orientação médica”, revela. “Para cada vez que escutei que eu não devia, que eu não era capaz, eu fui lá e mostrei que estava viva”, orgulha-se.

Assim como ela, são muitas as mulheres que, além de travar luta contra esse tipo de câncer, precisam combater mitos e conceitos ultrapassados sobre a doença. É o que evidencia uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em parceria com o Coletivo Pink, ligado ao laboratório Pfizer. 

De acordo com o levantamento, que ouviu 2.000 participantes em seis capitais nacionais, 12% dos belo-horizontinos não contratariam uma paciente com câncer de mama metastático. O índice está dois pontos acima da média nacional e é maior em comparação às outras cidades. Já 21% acreditam que a paciente deve focar no tratamento, não sendo hora de procurar emprego.

“Não é difícil de entender porque ainda existem preconceitos sobre o estado de uma pessoa com câncer metastático: anos atrás, as terapias que eram usadas deixavam as pessoas debilitadas”, examina a diretora médica da Pfizer Brasil, Márjori Dulcine. Ela diz que “as coisas já mudaram e, há algum tempo, existe outra abordagem... Hoje temos no horizonte medicações e práticas que ajudam a paciente a ter uma vida normal”, afirma Márjori. “Não estou dizendo que, durante o processo, essas mulheres estarão sempre dispostas. Alguns dias vão ser mais difíceis e debilitantes”, reconhece. Mas a médica afirma que é importante romper com a ideia de que o tratamento torna a pessoa incapaz. É essencial, pois, que a pessoa seja vista em sua integralidade, e não apenas como alguém doente, que precisa de ajuda, diz.

Assim, exemplos como o da educadora física e maratonista Sandra Drago, 41, que alcançou o pódio em uma corrida um dia depois de uma sessão de radioterapia, além de inspirarem, ajudam a quebrar tabus. “Essas pacientes continuam sendo mães, estudantes, trabalhadoras, esportistas...”, reforça Márjori, que conclui: “A vida não tem botão de pause”.

Exercício libera endorfina 

Muitas vezes o câncer é associado a um tratamento que exige repouso absoluto. Mas a recomendação é o oposto disso, diz Flávia Paes, oncologista do Grupo Oncoclínicas em Minas.

Citando estudos do Departamento de Saúde dos EUA, Flávia lembra que 150 minutos semanais de atividades físicas trazem diversos benefícios, incluindo a prevenção ao câncer. No caso de pessoas que estão se tratando, “recomenda-se atividade física moderada, no tempo do paciente, ou seja, o tempo que ele conseguir fazer, sem forçar”, diz. “Quanto estamos nos exercitando, bebemos mais água, os batimentos cardíacos e a circulação do sangue aumentam. É algo que ajuda na eliminação das toxinas dos quimioterápicos e reduz o efeito tóxico dos mesmos”, observa.

De acordo com a oncologista, outros benefícios são elevação da força muscular, da função do sistema imune e uma melhor manutenção do peso, além da redução da fadiga, das náuseas, dos vômitos e dos níveis de inflamação do organismo – efeitos colaterais comuns quando o paciente passa por químio, radio e hormonioterapia.

Há mais ganhos. “Com mais endorfina no organismo, a paciente vai sentir menos dor e maior sensação de bem-estar”, diz a oncologista clínica.

Flávia comenta que, quando recomenda atividades físicas associadas ao tratamento, as pessoas ficam desconfiadas. Mas, depois que incorporam essas práticas às suas rotinas, “os relatos são, frequentemente, de melhora tanto de quadros específicos como do bem-estar de maneira geral”, garante, insistindo na importância de que os limites de cada um sejam respeitados.

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