"Amigo é coisa para se guardar / Debaixo de sete chaves / Dentro do coração". A constatação guardada dentro das linhas da imortal "Canção da América", de Milton Nascimento e Fernando Brant, escancara o valor que laços fortes de amizade podem ter nas nossas vidas. Mas será que existe um limite para a quantidade de amigos que conseguimos carregar durante nossa existência?

Segundo um estudo publicado no início do anos 1990 pelo professor de antropologia evolucionária Robin Dunbar, a resposta é simples e curta: o cérebro humano é capaz de administrar no máximo 150 relações sociais, independente do grau de sociabilidade de um indivíduo.

Conhecida como "Número de Dunbar", a teoria sugere que existe uma associação entre o tamanho do neocórtex humano – região cerebral usada para o pensamento consciente e a linguagem – e o tamanho da nossa esfera social. 

A hipótese formou-se a partir da análise do comportamento de agrupamentos sociais em vários períodos da história – desde os primórdios da humanidade até a era das redes sociais.

Em um mundo cada vez mais hiperconectado, será que a amizade tem ainda a mesma importância para os seres humanos como no passado?

"A amizade sempre foi e sempre será muito importante para nós enquanto raça", afirma a psicóloga, mestre em relações interculturais e especialista em terapia cognitiva comportamental, Renata Borja.

Ela explica que somos seres sociais e que a nossa sobrevivência e desenvolvimento estão diretamente relacionados com nossa capacidade de trabalhar juntos – cuidando, defendendo e protegendo uns aos outros.

"Tudo em nós está associado à uma necessidade de conexão; isso faz parte do que nos forma", realça. 

Ser excluído de um grupo, portanto, poderia significar desproteção, falta de recursos e até a morte. 

"Todos os sinais emocionais que emitimos e percebemos ao longo da vida são fundamentais para criarmos um contato com o próximo. As nossas expressões faciais, postura física e comportamentos são imprescindíveis para as nossas relações, assim como a nossa capacidade de comunicação verbal", aponta a estudiosa. 

A psicóloga Gislene Maria Dias da Rocha vai mais além e argumenta que o distanciamento forçado pela Covid-19 expôs de vez toda a carência que temos por uma interação social íntima e pessoal.

"O ser humano precisa de outras pessoas. Ele é um ser social por natureza – vimos isso de perto durante a pandemia, quando aconteceram muitos casos de auto-extermínio que foram causados exatamente por causa do afastamento social. Os amigos são considerados a segunda família para muitas pessoas", observa.

Para a profissional, as redes sociais também tiveram um grande impacto nas relações humanas durante o lockdown, sobretudo no que diz respeito às amizades.

"Muita gente usou o universo online para se aproximar de conhecidos que não se viam há muito tempo, como colegas de faculdade, ex-namorados e amigos de infância. Nesse sentido, a tecnologia serviu como um agente para fortalecer o vínculo humano", enfatiza Gislene.

Por outro lado, o período também trouxe novas crises para o horizonte das amizades.

"As redes sociais impactam diversos tipos de relações humanas e de várias maneiras", analisa Roberta Andrade e Barros, psicóloga e professora do Centro Universitário Una. 

"Por exemplo, algumas dessas relações se iniciam, são mantidas ou terminam por causa e pelas redes sociais, tanto namoros como amizades". diz.

Segundo Roberta, um fenômeno recorrente nas redes sociais e que tem tido grande impacto nas subjetividades, na saúde mental e nas relações humanas é o cancelamento – a possibilidade de se excluir alguém do seu perfil social, ou até mesmo da sua vida, simplesmente por ela ter opiniões diferentes das suas ou por agir de forma que você não concorda.

"Por um lado, isso pode ser positivo – eu selecionar com quem quero conviver –, mas, por outro, isso mostra uma dificuldade em lidar com o diferente e em aceitar que as pessoas cometem erros", comenta a especialista.

Amigos x seguidores

Dentro do mesmo contexto moderno, como fica então a relação amigo versus seguidores, tão recorrente nos dias de hoje? 

"Não há nada em comum entre um amigo e um seguidor. Eles não são a mesma coisa", defende a psicóloga Renata Borja. "Um amigo é aquela pessoa mais próxima, que conhecemos, sabemos como se comporta, do que gosta e com quem se relaciona. É um laço real. Isso não acontece com seguidores, que são gente com quem podemos nos relacionar, mas não necessariamente fazem parte da nossa vida", acrescenta.

Perguntada se no futuro o contato físico pode dar de vez lugar e tudo a uma simples lista de contatos virtuais, Borja retruca que não vê vantagem nesse tipo de relação.

"O ambiente virtual pode até ter servido de suporte durante a pandemia, mas não vai jamais substituir o contato físico pessoal. Basta ver o aumento dos quadros ansiosos e depressivos que surgiram na época do isolamento", enfatiza, antes de concluir. "No fundo, não há nada como a empatia humana. E isso só a amizade verdadeira pode proporcionar".