Em junho de 2020, o cozinheiro Arnoldo Sales, 37, e a hair stylist Débora Santos, 35, decidiram morar juntos. Era o começo da quarentena imposta pela pandemia da Covid-19, e os dois decidiram que era a hora certa para elevar o relacionamento a um outro patamar.
Como ambos já tinham seu próprio patrimônio financeiro estabelecido, eles optaram por assinar um contrato de namoro para evitar uma partilha de bens em caso de separação.
"Estávamos no começo da relação e ainda sem certeza se nossa união daria certo ou não. Infelizmente, nada é certo nessa vida, e, naquele momento, esse tipo de acordo parecia a melhor opção para evitarmos aborrecimentos no futuro", observa Débora.
Embora pouco conhecida, a prática vem crescendo cada vez mais entre adultos com relacionamentos fixos no Brasil.
"Antigamente, o namoro era apenas uma fase na cadeia de comportamentos sociais esperados antes do noivado e do casamento. Hoje em dia, porém, ele já pode ser pensado e desfrutado sem projetos de progressão para outro tipo de relacionamento. É justamente aí que o contrato de namoro entra – como uma espécie de acordo para quem não tem o desejo de constituir uma família, mas que quer curtir a vida a dois sem um planejamento futuro", afirma a advogada especialista em sucessões e direito da família, Laura Brito.
O também advogado e especialista em direito civil, Bruno Lara Michel, explica que essa forma de compromisso surgiu em 1996 com a lei 9.278/96, que estabeleceu o novo regime jurídico da união estável.
"Como a linha entre um namoro e a união estável se tornou muito tênue na atualidade, principalmente após a pandemia, esse documento passou a ser usado para anular quaisquer dúvidas sobre as intenções e o objetivos de um casal que não busca constituir família, uma vez que tal requisito é muito difícil de se provar", aponta o jurista, que é integrante da Banca JP Advogados em Belo Horizonte.
Sendo assim, quais são as principais diferenças entre namoro e união estável?
"O que distingue os dois é a aparência social de família. Enquanto pessoas que vivem em união estável se apresentam publicamente como uma família, namorados tendem a se apresentar com vidas separadas", comenta Laura Brito.
Embora não exista um a legislação específica para o contrato de namoro no Brasil, Bruno Lara Michel frisa que ele é um instrumento totalmente legal.
"Como se trata de um contrato como qualquer outro, sua validade jurídica também está voltada para as exigências de qualquer outro documento. Estando presentes os requisitos, quais sejam – agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em lei –, o contrato é considerado legal", informa o jurista.
Laura Brito acrescenta: "Existe um princípio muito importante chamado primazia da realidade sobre o contrato. Partindo dele, o contrato de namoro é considerado legal, mas pode perder sua validade se, quando falamos em fatos, as pessoas envolvidas levarem uma vida de união estável", ilustra ela.
Bruno Lara Michel aproveita para dar o passo a passo para os interessados em lavrar um contrato de namoro.
"O ideal é procurar um advogado cível especializado para elaborar o acordo com os interesses das partes. Depois, o documento deve ser assinado pelo casal e por duas testemunhas, ou através de escritura pública, junto a um cartório de registro de notas", aconselha o advogado.
Fim do romantismo?
Por sua natureza prática e pouco tradicional, há quem acredite que o contrato de namoro venha contribuir para o fim do romantismo nas relações amorosas. A psicóloga e terapeuta de casais Elayne Novais, por sua vez, discorda desse argumenta e diz que o acordo pode ser benéfico para os casais.
"O contrato de namoro não precisa comprometer o romantismo, a gentileza e o carinho no relacionamento. Se as pessoas envolvidas souberem acolher um ao outro e forem empáticas, respeitosas, responsáveis, engajadas e cuidadosas dentro de suas relações, o contrato será apenas uma formalidade que atenderá a segurança financeira de ambos. Não acho que a assinatura de um documento possa definir a qualidade do amor de ninguém", pondera ela.
Elayne crê que o interesse por esses contratos faz parte da mentalidade contemporânea, que muitas vezes é marcada por uma visão mais variável das conexões humanas.
"Acordos sempre fizeram parte das uniões românticas. Não é nada novo. Todo ser humano anseia por segurança, não somente no âmbito financeiro ou físico, mas também na vida amorosa. A diferença é que atualmente muita gente acha mais fácil manter um namoro do que um casamento. Por isso, é importante sempre buscar acima de tudo relacionamentos saudáveis", analisa a especialista, antes de finalizar.
"Os casais precisam lembrar que seu compromisso um com o outro não é formalizado por meio de acordos escritos ou registrados em cartórios, mas sim em suas ações no dia a dia. Esse sim é o contrato que vai proporcionar segurança como nenhum outro".