Verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento pessoal, são muitas as formas de manifestação das chamadas “crenças limitantes” – termo que designa pensamentos autodepreciativos que, por alguma razão, tomamos como verdade absoluta. Expressão de culpa, de uma educação disfuncional ou de traumas, essa falsa ideia que fazemos de nós mesmos e de nossas capacidades se revela perigosa armadilha para a autoestima.

“Diversos fatores, sejam eles genéticos, familiares e/ou culturais, vão afetar a nossa sensação de amor-próprio. Entre eles estão os pensamentos de desvalor, que nos fazem crer que tudo o que conquistamos deve ser atribuído à sorte, como se nós nunca fôssemos merecedores de nossas vitórias”, examina o psicólogo Ernani Gomes, especialista em terapia cognitiva comportamental e professor na Universidade Estácio de Sá. Nesses casos, ao ir bem em uma prova ou ao receber uma promoção, por exemplo, o indivíduo tende a minimizar os próprios triunfos, ao mesmo tempo em que continua se percebendo, apesar dos resultados alcançados, como inapto e incapaz.

É recorrente que a manifestação desses pensamentos limitadores apareça associada ao hábito da comparação, seja com pessoas próximas ou distantes, e sempre feita de forma muito rigorosa. A psicóloga Isabel Pimenta, do Centro Universitário UNA, pondera que se comparar ao outro não só é algo esperado e comum como também necessário. Trata-se de uma atitude fundamental para a construção do “eu”. Ela pontua que o problema começa quando a prática se torna muito habitual e “passamos o tempo todo nos comparando, e isso acaba nos colocando como inferiores ao outro”.

Há também a possibilidade de as pessoas tentarem se equiparar a modelos culturalmente idealizados – mesmo que esses padrões sejam, na prática, inalcançáveis. “De modo geral, podemos dizer que, ao viver em sociedade, influenciamos e somos influenciados a todo momento. Estamos falando de um cenário em que é esperado que cada um de nós cumpra uma série de papéis físicos, comportamentais, sociais e econômicos. E, se isso não acontece, posso me sentir inferior aos demais, e minha autoestima pode ser impactada”, sinaliza.

Esse desejo constante de confrontar nossas qualidades e conquistas com as dos outros ou com o que era socialmente esperado de nós pode se converter em um gerador de ansiedade e, até mesmo, em transtornos mais severos, como os relacionados à imagem corporal, além da depressão. “Nossa autoestima está ligada diretamente à nossa autocrítica. Logo, quanto mais somos críticos com nós mesmos, menor será nossa autoestima, pois o que fazemos não nos parecerá bom o suficiente”, esclarece a mestre em psicologia clínica Daiana Quadros Fidelis.

Redes sociais. Na avaliação de Vivian Wolff, especialista em treinamento e desenvolvimento humano, as dinâmicas próprias das redes sociais potencializam o problema da excessiva comparação que ameaça a autoestima. “Nesses ambientes todos estão expondo a sua vida, mas de maneira editada, só com os melhores momentos. Então, se uma pessoa perfeccionista elege alguém que julgue ter atingido um nível de ‘perfeição’ adequado, passa a buscar isso para si. Mas, se não consegue, o que vai acontecer é que ela vai se sentir mal, minando a própria autoestima”, observa.

Crenças limitantes

A naturóloga Tathiana Mariano Pitaluga avalia que os pensamentos negativos sobre nós mesmos impactam profundamente a forma como nos avaliamos e nos percebemos. Ela busca diferenciar as diversas facetas e origens desse senso sabotador. “Há as crenças semânticas, aquelas que ouvimos, e há as crenças experienciais, que são aquelas formadas a partir de uma vivência”, diferencia, indicando que ambas podem ser igualmente nocivas.

Especialista em medicina chinesa, Tathiana destaca que valores sobre si mesmo adquiridos na infância costumam ser frequentes entraves. A criança que ouvia de seus pais que era “lerda”, “burra” ou “lenta”, por exemplo, pode introjetar essas características e se perceber dessa maneira mesmo quando for adulta. “Isso é o suficiente para criar um condicionamento, me fazendo crer que preciso trabalhar muito e mostrar que sou muito boa no que faço para superar esses rótulos e merecer amor das pessoas”, adverte.

Preconceitos culturalmente disseminados também tendem a gerar pensamentos sabotadores. É mais comum, por exemplo, que mulheres, mesmo plenamente capazes e habilitadas, desenvolvam a amaxofobia, como é chamado o medo de dirigir. A terapeuta Fernanda Costa, autora do e-book e do curso virtual “O Segredo de Dirigir”, admite que esse é um problema recorrente entre suas alunas. “Enquanto eles são estimulados desde criança a dirigir, elas escutam que o lugar delas não é esse”, comenta, indicando que algumas acabam incorporando essas falsas crenças que dizem sobre uma suposta imperícia feminina ao volante. 

Tathiana lembra que generalizações feitas a partir de uma experiência também podem causar danos à autoestima. Nesse caso, ao falhar em alguma atividade, a pessoa toma o episódio como regra e passa a se ver como incapaz. Um exemplo desse fenômeno é citado pelo psicólogo e terapeuta sexual Erick Paixão: “Tenho pacientes que criaram convicções sobre a sexualidade, que acreditam que o homem deve sempre estar pronto para o sexo e que a ereção é sinal de virilidade. Então, se a ereção não vem, esses homens começam a questionar sua própria masculinidade e passam a experimentar profundo sofrimento a partir dessa experiência”.

Outras duas manifestações de autossabotagem, que também incidem sobre a percepção de nossas capacidades, passam pelo constante adiamento e pelo medo. Nos dois casos, o sujeito pode se apegar a algo para tentar justificar porque ele cede a crenças limitantes. Um exemplo batido desse comportamento é a desculpa constante de falta de tempo, que leva o indivíduo a não encarar objetivos que propôs para si mesmo, como os de estudar ou de se exercitar. O problema é que essa postura desencadeia um círculo vicioso: ao não iniciar esses projetos, podemos nos sentir envergonhados e frustrados, o que nos deixa ainda menos motivados.

Fortalecimento. Ernani Gomes lembra que, a partir de um esforço consciente, é possível adotar hábitos mentais que fortaleçam a autoestima. “O primeiro ponto é identificar onde essa autopercepção está mais vulnerável. A partir disso, trabalhar o que chamamos de ‘reestruturação cognitiva’, fortalecendo os pontos fortes e buscando resolução de problemas”, diz. Ele assevera que, para ter sucesso nesse processo, é fundamental retrabalhar a forma como nos comparamos com outras pessoas. “Cada um tem seu tempo de ação, de resposta, cada pessoa tem seus desejos individuais. Reconhecer isso já ajuda muito na busca de uma autoestima equilibrada, funcional e saudável”, estabelece.