Crítico ferrenho da astrologia, o doutor em psicologia social Cláudio Paixão Anastácio de Paula não poupa críticas a essa milenar doutrina esotérica. Para ele, astrologia é nociva em qualquer contexto, e há dois principais motivos para isso. Primeiro, as pessoas a usam como desculpa para atribuir culpa a outros e evitar responsabilidades próprias. Isso leva a comportamentos de culpar os outros e justificar falhas com base nos signos astrológicos. O segundo motivo é que temos tendência a filtrar informações de acordo com nossas crenças pré-existentes. Além disso, por ser popular e difundida, ele acredita que a astrologia pode abrir portas para aceitação de pseudociências e ideias falsas uma vez que acreditar que nosso destino é controlado por forças astrológicas facilita a absorção de conceitos sem embasamento científico. Por isso, defende, é importante desmistificar a astrologia desde cedo, para evitar a propagação de ideias falsas e perniciosas.
O psicólogo ainda enumera razões pelas quais a astrologia não pode ser considerada uma ciência. Ele diz, por exemplo, que as alegações de influência dos astros na vida das pessoas carecem de embasamento e que estudos sobre o tema são frequentemente contraditórios e não oferecem resultados conclusivos. Até mesmo o apelo ao simbolismo e ao conceito filosófico de sincronicidade utilizados para justificar a astrologia, segundo Anastácio de Paula, não possuem validade científica.
Por todos esses motivos, o estudioso assevera que a astrologia não deve ser encarada como um instrumento para o autoconhecimento. “As pessoas tendem a buscar respostas específicas e conformar seus desejos através da astrologia, em vez de realmente se conhecerem”, comenta, acrescentando que oferecer conselhos não é o mesmo que oferecer conhecimento.
Entrevista
Cláudio Paixão Anastácio de Paula, doutor em psicologia social
1. Na sua avaliação, a astrologia deve ser encarada como uma pseudociência?
Para responder essa pergunta, é necessário abordar dois pontos principais. O primeiro ponto é entender o que a astrologia afirma e se existe cientificidade nisso. O segundo ponto é analisar se a astrologia pode ser considerada uma pseudociência.
No que diz respeito à astrologia, ela postula que certos astros, especificamente algumas constelações que correspondem aos signos zodiacais, juntamente com a posição do sol, da lua e de alguns planetas em determinadas posições no céu, influenciam a vida das pessoas. Vamos considerar as possíveis formas dessa influência. Uma delas poderia ser por meio de energia ou radiação, enquanto outra poderia ser por meio da gravidade. Alguns argumentam que a influência da lua nas marés é um exemplo disso, sugerindo que se a lua influencia as marés, então ela também afetaria a água em nosso corpo. No entanto, é importante considerar que a influência da lua nas marés está relacionada ao volume de água nos oceanos e rios, mas não à água presente em nosso corpo. Além disso, a influência gravitacional de pessoas ao redor de uma criança durante o parto, por exemplo, seria muito maior do que a influência gravitacional dos corpos celestes no momento do nascimento. Quanto à radiação, somos expostos a várias formas dela diariamente, incluindo a radiação solar, que é uma fonte significativa. No entanto, não há evidências de que a radiação específica de estrelas ou planetas tenha algum efeito diferente da radiação que já recebemos do sol ou de outras fontes cósmicas filtradas pela atmosfera, incluindo a camada de ozônio.
Outro aspecto a ser considerado é a disposição dos corpos celestes que formam os signos zodiacais, como Áries, Touro, Libra, Sagitário, Aquário, entre outros. Esses corpos celestes são vistos de diferentes lugares da Terra em posições completamente aleatórias em relação às suas posições reais no cosmos. Os desenhos e significados atribuídos a esses signos são criações de um determinado grupo de pessoas que vivia no Oriente Próximo e concebeu constelações completamente diferentes das que temos hoje. A transposição dessas constelações para a Europa ocorreu ao longo de um processo longo e complexo, que incluiu o apagamento de dois signos para facilitar a correspondência com os doze meses do ano. Portanto, a disposição dos signos zodiacais é arbitrária e não tem relação direta com as posições reais dos corpos celestes. As histórias mitológicas por trás dos signos, como Virgem, Sagitário ou Aquário, podem evocar associações emocionais e simbólicas, mas não possuem respaldo na realidade.
O segundo ponto fundamental é que, sendo algo não concreto e sem base factual, não há evidências de que essas relações astrológicas tenham algum paralelo real neste mundo. Existem pesquisas que corroboram a astrologia, mas também existem estudos que não conseguiram encontrar evidências consistentes. Mesmo pesquisas conduzidas por astrólogos têm resultados inconclusivos. Portanto, não há consenso científico sobre a validade da astrologia.
Para afirmar que a astrologia é científica, seria necessário apresentar estudos que a apoiem de forma consistente. No entanto, as pesquisas que supostamente validariam a astrologia são limitadas e frequentemente contraditórias. Além disso, várias pesquisas demonstraram que a astrologia não possui fundamentos sólidos.
Uma abordagem utilizada por algumas correntes psicológicas, como a abordagem junguiana, é apelar para o simbolismo. Nesse sentido, argumenta-se que os signos astrológicos possuem um significado simbólico universal que reflete a vida humana. No entanto, essa perspectiva não é respaldada por evidências científicas sólidas, mas sim por conceitos filosóficos, como o de sincronicidade proposto por Carl Jung. A sincronicidade sugere a existência de coincidências significativas, sem uma relação de causa e efeito clara. No entanto, trata-se de uma ideia filosófica e não científica.
Portanto, a astrologia não pode ser considerada uma ciência, pois não atende aos critérios científicos estabelecidos. Seus fundamentos não são baseados em evidências sólidas e suas alegações não são respaldadas por pesquisas consistentes. Além disso, o apelo ao simbolismo e a tentativa de encontrar significados universais não são suficientes para validar a astrologia como uma prática científica.
2. Acredita que, em algum contexto, a astrologia pode ser considerada positiva?
Na minha opinião, a astrologia é sempre nociva e não tem valor em nenhum contexto. Ela se torna prejudicial por dois motivos principais. Primeiro, as pessoas usam a astrologia como desculpa para atribuir culpa ou responsabilidade a outras pessoas, evitando assumir a responsabilidade por suas próprias ações. Isso leva a um comportamento de culpar os outros ou justificar suas próprias falhas com base nos signos astrológicos. O segundo motivo, que é ainda mais grave, é que nossa capacidade mental é limitada e tendemos a filtrar informações de acordo com nossas crenças pré-existentes. A astrologia, sendo popular e amplamente difundida, pode servir como uma porta de entrada para a aceitação de outras pseudociências e ideias falsas. Ao acreditar que nosso destino é controlado por forças astrológicas, torna-se mais fácil absorver conceitos sem embasamento científico, como a eficácia da homeopatia, energias quânticas, constelações familiares, cloroquina ou teorias da conspiração sobre governos, etc. É importante desmistificar a astrologia desde cedo, ensinando às pessoas que ela não funciona, para evitar a propagação de ideias falsas e perniciosas.
3. No caso de ser encarada como um entretenimento, acredita que a astrologia pode não oferecer riscos?
Reforço que, na minha avaliação, a astrologia não deve ser encarada como um mero entretenimento inofensivo. Embora muitas pessoas brinquem com os signos e gostem de discutir sobre astrologia para estabelecer relações sociais, há uma diferença fundamental em relação a outras formas de entretenimento. Enquanto personagens de filmes ou desenhos animados têm claramente um aspecto fantasioso e de brincadeira, a astrologia se baseia em um apelo a um fundo de verdade.
Comparando com piadas preconceituosas, como homofóbicas, racistas ou misóginas, podemos entender o problema. Mesmo que sejam feitas apenas como brincadeira, essas piadas são prejudiciais, pois reforçam estereótipos e contribuem para uma cultura nociva. Da mesma forma, a astrologia, mesmo que seja considerada uma brincadeira, pode perpetuar crenças e conceitos prejudiciais à humanidade.
Existe um exemplo interessante em um livro de ficção científica em que as pessoas precisam evacuar a Terra devido ao fim do sistema solar. Nesse contexto, elas precisam fazer uma curadoria do conhecimento humano, deixando de fora ideias exotéricas, energias além do humano, religião, racismo, homofobia e outros conceitos perigosos. A intenção era começar em outro lugar sem esses problemas. Essa curadoria demonstra a necessidade de evitar o péssimo início.
Portanto, a astrologia não deve ser tratada apenas como entretenimento, pois pode perpetuar crenças prejudiciais e não contribui para um desenvolvimento humano saudável.
4. Por fim, ao oferecer conselhos brandos, a astrologia pode ser um instrumento para o autoconhecimento?
Não, a astrologia não é um instrumento para o autoconhecimento. Oferecer conselhos não é o mesmo que oferecer conhecimento. Os conselhos astrológicos são a transposição da visão de uma pessoa para a vida de outra, não proporcionando uma verdadeira compreensão de si mesmo. No entanto, se as pessoas encarassem a astrologia como uma fantasia e refletissem sobre suas próprias situações pessoais, poderiam perceber que não são únicas e que suas vidas são semelhantes a outras histórias. Isso poderia levar a uma reflexão sobre como agir e tomar decisões de forma diferente. No entanto, a maioria das pessoas não faz esse tipo de reflexão. Ao contrário do tarô, que oferece histórias mais complexas e abertas à interpretação, a astrologia é frequentemente interpretada de forma determinista. As pessoas tendem a buscar respostas específicas e conformar seus desejos através da astrologia, em vez de realmente se conhecerem. Portanto, a astrologia não é um caminho efetivo para o autoconhecimento.