Avanço

Dia Internacional da Síndrome de Down celebra autonomia de PcDs pelo trabalho

Conseguir gerar a própria renda significa melhora da autoestima, aumento da expectativa de vida e construção da identidade para pessoas com trissomia do cromossomo 21

Por Laura Maria
Publicado em 21 de março de 2024 | 04:00
 
 
Marco Túlio, Anália e Davidson são exemplos de pessoas com Síndrome de Down que conquistaram autonomia no ambiente profissional e na vida Foto: Daniel de Cerqueira

Anália Alves Meira, 43, gosta de ter seu próprio dinheiro, para, dessa forma, não precisar “ficar pedindo para o pai e para a mãe”. Marco Túlio Silva Pedrosa, 21, tem juntado recursos com a lida cotidiana porque sonha em abrir a própria academia. Já Davidson Félix Vieira Júnio, 25, consegue “comprar tudo” que deseja com o montante que ganha no emprego. À primeira vista, essas histórias podem parecer simples motivações de quem sai de casa todos os dias para trabalhar. Mas por trás delas há um esforço e dedicação enormes pela garantia do direito ao emprego de pessoas com deficiência, estabelecido, a propósito, pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Anália, Marco Túlio e Davidson têm síndrome de Down e trabalham na sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), os dois primeiros como recepcionistas e o último como porteiro. Mas muito mais do que batalhar pela própria renda, eles buscam, com as ocupações, autonomia e independência.

Os três, porém, ainda representam uma pequena parcela de pessoas com deficiência que trabalham. Segundo dados de pesquisa realizada pelo Instituto Mano Down, em Belo Horizonte existiam cerca de 26 mil pessoas com algum tipo de deficiência intelectual em 2020, sendo 6.000 com síndrome de Down. Dessas, menos de cem geravam a própria renda. O Dia Internacional da Síndrome de Down, celebrado nesta quinta-feira (21), todavia, chega com uma notícia melhor: em quatro anos, esse número aumentou para 120. É um avanço, mas já se pode comemorar? A resposta é, definitivamente, sim, segundo Gabriel Leandro Rodrigues, coordenador do Incluo, setor do Instituto Mano Down que estimula e apoia o empreendedorismo e a inserção no mercado de trabalho de pessoas com deficiência intelectual e seus familiares.

“Hoje, nós falamos sobre o envelhecimento de pessoas com Down, algo que, até pouco tempo atrás, sequer se discutia. A expectativa de vida tem chegado aos 70 anos. Nós debatemos mais sobre o Down, e existem mais políticas públicas direcionadas para essa população”, aponta. Por isso, ele destaca a importância de celebrar a data. No Brasil, a efeméride foi estabelecida pela Lei 14.306, de 3 de março de 2022, que instituiu o Dia Nacional da Síndrome de Down e determina que “os órgãos públicos responsáveis pela coordenação e implementação de políticas públicas voltadas à pessoa com síndrome de Down são incumbidos de promover a realização e divulgação de eventos que valorizem a pessoa com síndrome de Down na sociedade”.

Nada mais pujante do que inserir pessoas com Down no mercado de trabalho para valorizá-las, na avaliação de Rodrigues. “Ter um emprego está relacionado à construção de identidade. Quando alguém pergunta o que fazemos, geralmente respondemos dizendo a nossa profissão. Muito mais do que a renda, que é apenas a consequência do trabalho, ter um ofício significa melhoria da autoestima e aumento da expectativa de vida, justamente por a pessoa com deficiência poder desenvolver suas habilidades”, diagnostica. “O último Censo mostrou que no Brasil há mais de 18 milhões de pessoas com deficiência. Quando elas saem de casa para trabalhar, é uma demonstração de que elas existem e estão ali”, indica. 

Rotina dentro e fora do trabalho

Anália conta que a parte que mais gosta de seu trabalho é poder lidar com o público. “Faço o cadastro das pessoas e, se precisarem subir a algum andar do prédio, anuncio o nome delas. Gosto de trabalhar aqui porque tenho mais contato com as pessoas, sinto que posso ajudá-las mais”, diz. Ela divide o seu trabalho entre a recepção principal e a da presidência. Para chegar ao tribunal, onde trabalha há um ano, Anália geralmente pega um ônibus e, na volta para a casa, localizada no bairro Sion, costuma ir a pé.

Sua rotina, no entanto, começa muito antes de pôr os pés no TJMG. “De manhã, eu mesma faço um café. Às vezes, esquento um pão na misteira. Também arrumo a minha cama e a da minha mãe e coloco o lixo para fora”, conta. Anália também já gostou muito de sair sozinha, mas hoje prefere ficar em casa “curtindo a mãe e as três sobrinhas”, de 1, 9 e 10 anos. Além disso, ela estuda português pelo método Kumon, faz um curso de computação no Instituto Mano Down (juntamente com Marco Túlio e Davidson) e pratica pilates às terças e quintas. “O pilates me acalma. Foi a atividade que mais gostei, mas também já fiz musculação, ‘body pump’, ‘body jump’ e dança de salão”, comenta. Antes de trabalhar no TJMG, a recepcionista atuou por 17 anos em uma farmácia.

Assim como Anália, Marco Túlio Silva também completou um ano de serviços prestados ao TJMG e gosta do contato com o público. “Gosto de me comunicar com as pessoas e também de preencher as fichas delas. É um sonho poder trabalhar aqui”, revela. Faixa-preta em taekwondo, ele tem poupado o dinheiro do trabalho com o objetivo de conquistar seu próprio negócio. “Não gosto de gastar, prefiro juntar dinheiro para construir o que gosto, como uma academia”, diz ele, destacando que pretende cursar a faculdade de educação física.

Marco Túlio também revela que tem adquirido certa renda com o TikTok. Com mais de 33 mil seguidores na rede social, ele conta que se dá muito bem com a câmera. “Eu gosto muito de dançar no aplicativo. Tem muito tempo que estou lá, amo muito”, expõe. “Acho muito incrível ter muitos seguidores, gosto muito de ser famoso. É um sonho para mim”, relata. O jovem, que mora com os pais no bairro Caiçara, também revelou que está tentando tirar carteira de motorista e conta que adora brincar com os sobrinhos, que tem 2 e 3 meses. “É muito legal receber o sorriso de um bebê”, anima-se.

Davidson já está no Tribunal há quatro anos, atuando como porteiro. Ele também luta taekwondo e gosta de tudo na arte marcial, especialmente do ambiente. “Eles me amam lá”, celebra. O jovem, que por muito tempo frequentou bailes funk nas proximidades do Caiçara, onde mora, trocou o estilo pelo Carnaval. Frequentador assíduo da festa em Belo Horizonte, ele conta que fica o dia todo na rua e que sempre faz amizades na folia.  

Preparação para o mercado de trabalho

No Instituto Mano Down, há três etapas de preparação para a entrada no mercado de trabalho. Inicialmente, são oferecidos cursos de letramento, alfabetização, culinária e computação para os jovens. Na sequência, os educandos são levados para simpósios e festas, nos quais são treinados como garçons e recepcionistas, por exemplo. Por fim, quando contratados, passam por um processo de capacitação no próprio local de trabalho. Atualmente, existem 180 pessoas atendidas pelo instituto aguardando uma oportunidade. “Esse cenário tende a melhorar, porque as empresas querem empregar pessoas com deficiência. E nós fazemos essa ponte. O primeiro passo é quebrar os estereótipos”, evidencia Rodrigues.