No início do mês passado, o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância emitiu um alerta importante no que diz respeito à saúde das crianças – em particular, as da América Latina e Caribe. Segundo a agência, nessas regiões do planeta, três em cada dez crianças e adolescentes estão hoje com excesso de peso. O estudo apontou que as causas da obesidade infantil estão ligadas à falta de atividade física e ao consumo de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas, que, destacou, são de fácil acesso, baixo custo e bastante divulgados na mídia de massa. Com a pandemia, o problema se intensificou em função da limitação ao acesso de alimentos saudáveis e da diminuição do poder de compra. “Muitos pais perderam sua renda, e o preço dos alimentos aumentou”, pontuou Jean Gough, diretor do Unicef para a América Latina e o Caribe, acrescentando que, não bastasse, com o fechamento das escolas, muitas crianças deixaram de receber merenda escolar, e os espaços para atividades físicas ficaram limitados. “Antes da Covid-19, prevenir a obesidade era essencial. Agora, é mais urgente do que nunca”, acrescentou ele.
Mas é importante frisar que o problema não está isolado nas regiões citadas: nos Estados Unidos, por exemplo, o número de Estados onde pelo menos 35% da população é obesa aumentou para 16 no ano passado (em 2019, eram 12), de acordo com dados divulgados também em setembro pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
Um dos tópicos citados no alerta do Unicef – a divulgação ampla de alimentos ditos nocivos pela mídia de massa – é justamente o cerne de um trabalho empreendido por Francisco José Ojuelos, especialista em legislação alimentar e autor do livro “O Direito à Nutrição”. Publicado na “Revista de Pediatria de Atenção Básica”, o estudo preconiza que a publicidade de produtos não saudáveis – em particular com a intermediação de pessoas famosas – não deve ser direcionada a crianças, já que essas evidentemente não têm a instrumentalização para discernir entre o que é nocivo ou saudável.
O poder de decisão, no caso, caberia aos pais. Mas a questão que imediatamente emerge é: esses estão munidos das informações corretas, cientificamente embasadas, para se incumbirem desta tão importante missão? A jornalista mineira Letícia Perdigão é um exemplo do quanto é recomendável buscar a informação correta. “Quando estávamos prestes a fazer a introdução alimentar da minha filha (após o período de amamentação), quis me informar muito, para realmente proporcionar a ela um primeiro contato com bons alimentos, criando bons hábitos de vida e de alimentação”, conta.
Nesta imersão, porém, Letícia descobriu que a sua própria alimentação, a de seu marido e mesmo a de familiares era perpassada pelo que ela chama de “equívocos”. “Às vezes, comendo alimentos ultraprocessados achando que faziam bem, como se fossem saudáveis – e não são. Aprendi a ler rótulos, a me informar sobre o que a gente está comendo, a pensar duas vezes, a priorizar alimentos in natura – que devem ser descascados, e não desembalados”. E é nesta toada que Letícia vem se empenhando para que a filha tenha uma alimentação o mais natural possível, priorizando frutas, legumes e verduras de boa procedência. “E tento promover o contato dela com o alimento – por meio do toque, do cheiro, do sabor – para criar uma dinâmica positiva e de identificação”, diz.
Intuitivamente, Letícia fez um caminho que vai ao encontro do que a médica e diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais (SBEM-MG), Bruna Galvão Marinho, aconselha. “Falar que a responsabilidade de as crianças comerem mal é dos pais acho pesado. Mas eles têm (ao alcance das mãos) algumas ferramentas que podem usar para estimular uma alimentação melhor nos filhos. Sem dúvida, o principal, no caso da alimentação, é o exemplo. Se o pai enche o seu prato de macarrão ou de batata frita, sem nenhuma salada, como vai querer que os filhos comam de forma saudável, que montem pratos coloridos? Podem até querer, mas vai ser difícil sustentar isso por muito tempo”, entende ela, acrescentando que é mais do que válido que os pais procurem se aconselhar junto a profissionais como um nutricionista ou endocrinologista quanto às refeições não só dos filhos, mas de toda a família.
“No geral, o ideal é rever todos os hábitos alimentares da família”, corrobora Patrícia Consorte, pediatra e especialista em nutrição materno-infantil. “É difícil culpar as crianças pelos hábitos que nós ajudamos a construir. Não é fácil parar de comer doce, por exemplo, nem para um adulto, pois todos os alimentos palatáveis – ou seja, com uma quantidade grande de sal e açúcar – geram compulsão e estimulam os neurotransmissores cerebrais a gerarem uma sensação de bem-estar naquele momento”, completa ela, que também aconselha a procura por ajuda profissional. “Tenha um pediatra e uma nutricionista materno-infantil para chamar de seus”, aconselha.
Dicas valiosas
Mesmo com a dica de aconselhamento profissional, tanto Patrícia quanto Bruna não se esquivaram de dar algumas dicas. “Se você já evitar ao máximo os ultraprocessados na vida dos filhotes, já é um grande passo para evitar a obesidade infantil. Busque sites confiáveis de receitas de lanchinhos infantis, evite as telas na hora das refeições e use esse momento para que a família esteja junta à mesa”, diz Patrícia. Fazer refeição junto com os filhos é outra sugestão da médica, para que os pais sirvam de exemplo. “Também vale fazer associações com algo que gostem, principalmente para os menores. Por exemplo: ‘Sabe por que o Hulk é verde? Porque ele adora comer tudo que é verdinho’. Ou pegue um brinquedo, um urso de pelúcia ou boneca e coloque junto para comer, fazendo um diálogo com ele sobre o quanto é importante ter um prato colorido”, ensina.
Bruna Galvão Marinho vai pela mesma linha. “Uma coisa que pode ajudar muito é fazer alguma atividade lúdica, como deixar previamente vários alimentos picadinhos ou desfiados (cenoura, beterraba, frango) e propor que criança monte um sanduíche. Ela pode montar um para o pai ou a mãe e vice-versa, como uma brincadeira. Ou fazer um combinado de, a cada segunda-feira, experimentar um alimento que ela nunca comeu antes, bem como estabelecer que o prato vá ter um mínimo de quatro cores...”, exemplifica ela, que também aconselha que a família fique longe da TV nesse momento. “É importante fazer da hora da alimentação um momento gostoso, interativo”, conclui.