“Nem tudo dá certo, mas a gente sobrevive”. A frase dita pelo padre Fábio de Melo, em postagem recente no Instagram, rebate um pensamento bastante comum dos dias atuais: a crença de que podemos fazer tudo e de que, no fim das contas, todas as coisas darão certo. A realidade, porém, nem sempre é essa. Fracassos e erros fazem parte da vida e, muitas vezes, são inevitáveis.
Mas, se não há sempre uma vitória no fim da jornada, como agir diante desses tropeços? A primeira dica é aceitar que eles fazem parte da vida – e não só eles, mas também os sentimentos que surgem diante de planos frustrados. “As pessoas precisam entender que elas irão sofrer, porque o sofrimento é inerente à nossa existência”, pontua o psicanalista Celso Renato Silva.
Mestre em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da PUC Minas, ele acrescenta que o luto diante do insucesso precisa ser sentido. “Ele pode ser um momento de autoconhecimento profundo, uma abertura que permite que seja repensado algo do seu comportamento, de como você tem planejado a sua vida e rotina. Então, como a gente desconsidera a importância desse momento? Ele faz parte da vida e talvez seja ele que nos mova a direções mais orientadas”, diz.
A tarefa, porém, pode não ser tão fácil. Principalmente se levarmos em conta o quanto tem sido cultuado o discurso que prega o otimismo acima de tudo, aquilo que chamamos de positividade tóxica. “Ela traz a falsa impressão de que existe um estado de perfeição e de bem-estar pleno, em que todas as nossas funções e execuções do dia a dia, que é tão complexo e corrido, serão feitas à máxima excelência e perfeição”, explica o psicanalista.
Vendido como um estilo de vida, esse discurso excessivamente positivo desconsidera a existência de questões intrínsecas à nossa própria humanidade. “Precisamos considerar a importância do sofrimento, da tristeza, dos esquecimentos, dos lapsos, das faltas e de tudo aquilo que constitui o ser humano como um todo”, afirma Celso Renato.
Segundo o psicanalista, ao condenar o erro, a sociedade condena a si própria, já que é ele fundamental para nosso crescimento e reflexão. “Parte do nosso movimento de autoconhecimento vem de crises e de situações em que a gente beira o caos. As crises servem para que a gente consiga ressignificar questões muito profundas”, observa.
Diante deste cenário, o psicanalista ressalta a importância da negatividade, em um sentido de reconhecimento da frustração e, também, de entender a importância do não, em uma sociedade que busca constantemente o sim.
Pensamento excludente
Além de prejudicial por fomentar uma ilusão, o discurso excessivamente positivo desconsidera muitas variáveis. É isso que observa o psicólogo João Gabriel Grabe. “É necessário entender a realidade de cada pessoa. É difícil dizer o que vai dar certo e o que vai dar errado, porque tudo depende de uma perspectiva, de escolhas”, explica.
A ideia de um pensamento totalmente positivo ainda rejeita as várias realidades vividas pela população. “Há pessoas que se frustram muito mais e numa intensidade maior no cotidiano, dependendo da vulnerabilidade social em que ela se encontra. Uma sociedade que cultua a positividade e o bem-estar como um padrão de vida produz uma lógica excludente”, afirma o psicanalista Celso Renato.
Quando é o momento de desistir e partir para outra?
Diante da constatação de que nem tudo vai dar certo, surgem questionamentos. Como perceber o momento ideal para mudar a trajetória e buscar um novo projeto? De acordo com Celso Renato, frustrações constantes e comportamentos repetitivos são um sinal de que algo não vai bem. “Algo ali precisa ser falado e sentido para que seja possível construir outra forma de funcionar que não seja através da repetição”, explica.
Mas, antes de mudar os rumos, é preciso lidar com o fim de um sonho, e essa é uma tarefa que pode ser difícil, já que há um direcionamento de afeto e desejo àquele projeto. O psicólogo João Gabriel Grabe orienta que, nesses casos, é preciso se permitir a entender o que deu errado, quais as expectativas foram quebradas, o que de fato foi alcançado e deixado de lado. “A partir disso, é possível reconhecer, de fato, se esse sonho deve ser abandonado ou deixado de lado. Mas claro que não existe um tempo para isso. Uma ideia pode ser abandonada hoje e resgatada em alguns anos, e não existe nenhum erro nisso, apenas uma mudança de perspectiva”.