Imagens plasticamente impactantes de imensas geleiras se despedaçando e de queimadas que causam grande destruição florestal costumam ser usadas para representar a gravidade da emergência climática, que piora as condições de vida na Terra. Embora assustadoras, essas representações podem soar um tanto distantes, sobretudo para pessoas que vivem em centros urbanos, gerando a falsa sensação de que a acelerada mudança do clima no planeta é um problema para se enfrentar no futuro, que afeta apenas regiões ermas. Não por outro motivo, cada vez mais, cenas do cotidiano citadino têm sido usadas para ilustrar a crescente ameaça escancarada pela crise climática. Afinal, tragédias provenientes de chuvas torrenciais – que geram enchentes e desabamentos, fazendo vítimas anunciadas – e de longos períodos de estiagem – ampliando riscos de incêndios e acentuando sintomas alérgicos – já aparecem com maior frequência nas rodas de conversas e no noticiário. Além disso, qualquer um pode perceber, na própria pele, como a temperatura média vem se tornando mais extrema, com períodos de calor intenso sendo intercalados por dias cada vez mais gélidos.
Fato é que o aquecimento global, anteriormente encarado como uma vaga teoria, se impõe como realidade, como nos indicam todos esses evidentes sinais de desregulação do clima em todo o planeta. Mudanças que geram consequências de toda ordem. Há o aumento do número de queimadas em regiões áridas, os surtos de doenças típicas de regiões tropicais, como a febre amarela e a chikungunya. Problemas cardíacos e até mesmo a asma também tendem a se tornar mais comuns. Soma-se a essa infinidade de problemas um novo mal, a ecoansiedade, ou ansiedade climática. O distúrbio, que não é considerado um transtorno mental, é definido pela Associação Americana de Psicologia como um medo crônico de um cataclismo global, que gera sensações de preocupação e de incerteza em relação ao futuro.
No fim do ano passado, a revista científica “The Lancet”, do Reino Unido, publicou um estudo sobre como o fenômeno impacta adolescentes e jovens adultos. Os pesquisadores ouviram, por meio de uma plataforma virtual, 10 mil pessoas de 16 a 25 anos, oriundas de dez países, entre eles o Brasil. A investigação apontou que 84% dos participantes estão pelo menos moderadamente apreensivos com as mudanças do clima, enquanto 59% estão muito ou extremamente preocupados. Também avaliaram quais os sintomas mais comuns do distúrbio, constatando que mais da metade dos entrevistados relatou emoções como tristeza, ansiedade, raiva, impotência e culpa. Mais de 45% dos entrevistados disseram que seus sentimentos sobre as mudanças climáticas afetaram negativamente sua vida diária, e muitos apontaram um alto número de pensamentos negativos sobre as mudanças climáticas – por exemplo, 75% reconheceram achar o futuro assustador, e 83% acreditam que as pessoas falharam em cuidar do planeta.
O estudo ainda registrou que a maioria das pessoas ouvidas avaliou negativamente as respostas das autoridades às mudanças climáticas e relatou mais sentimento de traição do que de confiança. Por fim, foi identificada uma correlação entre a ecoansiedade e as respostas dos governos ao problema climático. Nesse caso, quando as medidas de contenção de desastres parecem tímidas, a ansiedade é potencializada.
Consequências
“Uma coisa que precisamos entender é que, nesses casos, o distúrbio tanto pode ter sido desencadeado pela percepção das mudanças climáticas, como essa percepção pode agravar o problema no caso de pessoas que já tinham condição prévia de ansiedade. Contudo, esta não é uma questão patológica, pois estamos falando de um medo despertado frente a uma situação concreta”, salienta o doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (ECI/UFMG) Cláudio Paixão Anastácio de Paula. Ele sublinha que a ecoansiedade se difere de outras manifestações ansiosas apenas pelo conteúdo – ou seja, por ser disparada por um evento específico. “Por outro lado, a sintomatologia é mais ou menos a mesma de outros distúrbios dessa ordem”, informa.
“Essa apreensão diante da iminência de algum fato faz que a pessoa fique em estado contínuo de alerta, sendo conduzida a uma preocupação diuturna com o futuro, tanto dela como da humanidade”, descreve o especialista, detalhando que as consequências são diversas. Quando se torna crônica, a ansiedade pode, por exemplo, favorecer o acometimento de quadros de depressão, ocasionar distúrbios do sono, motivar comportamentos disfuncionais – como agressividade, desatenção, entorpecimento e abuso de substâncias – e beneficiar o surgimento de problemas intestinais, estomacais e cardiovasculares.
O que fazer
“Os efeitos mais imediatos, como a irritabilidade, a perda do apetite e a insônia, devem ser tratados pontualmente, quando aparecerem, assim como quadros mais graves, como a depressão”, sinaliza Anastácio de Paula, detalhando que esse tratamento pode se dar por meio do acompanhamento psicoterápico, como pela terapia cognitivo-comportamental. “Mas esta é uma resposta a sintomas individuais, não são para questões coletivas, que, por sua vez, demandam ação concreta e atitudes proativas”, pondera.
Lembrando que o negacionismo é uma forma disfuncional de lidar com essa realidade, uma vez que as pessoas negam o problema para se sentirem empoderadas, o psicólogo social avalia que se engajar em projetos relacionados ao ativismo ambiental é uma boa alternativa de controle da ecoansiedade. “Se a pessoa sentir que está fazendo algo para combater as mudanças do clima, se ela se perceber parte dessa luta ao lado de outras pessoas, ela pode sentir-se mais capacitada a lidar com essa sensação de ansiedade ao enfrentar um problema que, antes, causava um medo imobilizante”, avalia.
Avaliação semelhante faz a geóloga e psicanalista Ana Lizete Farias, autora do artigo “O mal-estar na crise ambiental e a pandemia”. “Eu gosto muito do exemplo da (ativista ambiental sueca) Greta Thunberg, que fez do incômodo combustível para o enfrentamento. Ela não abre mão do que acredita, diz com todas as letras que o colapso climático é um crime contra a humanidade e aponta para questões que muitos de nós não queremos reconhecer, como a nossa falta de apreço à vida e ao planeta”, indica, lembrando que a adolescente, hoje com 19 anos, está inserida em uma cultura em que se sente mais autorizada a se posicionar, já que a fala dela é legitimada. “Um sintoma, em psicanálise, surge quando há algo que não conseguimos exteriorizar. E isso não acontece no caso de Greta, que, ao falar e partir para a ação, faz uma função de catarse para ela mesma”, situa.
A especialista também critica posturas omissas e o negacionismo. “Alienar-se do problema não faz com que ele deixe de existir, então não acredito que o caminho para lidar com a ecoansiedade seja evitar as notícias ou ignorar a desregulação do clima. É mais efetivo justamente falar e partir para a ação, encarando essas tragédias e pensando o que podemos fazer para evitá-las”, crava.
Angústia. Ana Lizete Farias diferencia os distúrbios ansiosos desencadeados pela realidade e pela iminência das mudanças climáticas de outro problema: a angústia climática.
“Mais do que ansiedade, pessoas em situação de vulnerabilidade sofrem com uma sensação de angústia. Elas, as primeiras vítimas da emergência ambiental, sabem que vai chover e que elas estarão em risco, mas não têm para onde ir. Quando há enchentes e deslizamentos, notamos grande resignação desses sujeitos, que chegam a se recusar a sair de onde estão apesar de estarem em perigo”, lembra, pontuando que o sofrimento dessas pessoas tende a gerar apatia e paralisia, uma vez que se sentem incapazes de fazer qualquer coisa. “E, com isso, fica mais difícil organizar frentes para enfrentar o problema”, diz.