Relacionamentos

Exposed da traição: até que ponto é legítimo denunciar infidelidades na web?

Especialistas explicam como manifestações de crises amorosas nas redes sociais podem ser o sinal de um comportamento questionável e nocivo

Por Da Redação
Publicado em 23 de fevereiro de 2023 | 05:30
 
 
Segundo especialistas, redes sociais podem ser um instrumento de vingança na chamada 'era da pós-verdade' Foto: Pixabay

O ano de 2015 foi um dos mais traumatizantes na vida de Vera Lúcia Sodré. Após ver seu casamento de quase uma década desmoronar, ela acabou vítima de ataques impiedosos do ex, que espalhou fotos íntimas dela pela internet acompanhadas por falsas acusações de adultério.

"Vivi um relacionamento abusivo que me consumia totalmente. Finalmente tive a coragem de pôr um ponto final naquela história quando descobi que estava sendo traída por muitos anos", conta a promotora de vendas de 38 anos.

"O problema é que meu marido na época não quis aceitar a separação e resolveu publicar mentiras sobre mim na web. Ele expôs várias imagens minhas sem consentimento e escreveu todo tipo de insulto moral contra mim. Para piorar as coisas, as ofensas chegaram até o meu chefe e eu acabei perdendo o emprego. Nunca pensei que fosse passar por tanta humilhação", relembra ela com indignação.

A história de Vera é um dos muitos exemplos de como as redes sociais podem ser um instrumento de vingança na chamada "era da pós-verdade".

E nem mesmo os famosos escapam de situações vexatórias quando o assunto é traição. A cantora Shakira que o diga: a colombiana já atingiu mais 133 milhões de visualizações no YouTube desde que lançou uma música mencionando as infidelidades do ex-marido, o jogador do Barcelona Gerard Piqué.

Mas até que ponto usar a tecnologia para denunciar uma infidelidade conjugal é legítimo?

"Denunciar a 'pulada de cerca' de alguém na internet é sem dúvida uma forma de vingança. Trata-se de um comportamento reativo-destrutivo, pois traz consigo, na maioria das vezes, consequências muito negativas", explica Renata Borja, terapeuta cognitivo-comportamental e mestre em relações interculturais.

Ela diz que o ato de revidar-se aciona no organismo um sistema de recompensa que gera inicialmente uma sensação de prazer.

"Isso engana o cérebro que não percebe as consequências negativas dessa atitude. Dessa forma, acabamos buscando o mesmo comportamento no futuro, formando assim um ciclo vicioso", avalia.

Esse hábito pode até atrair o suporte externo de muita gente, o que reforça uma falsa sensação de acolhimento, mas no geral, a vingança não é algo bem visto na sociedade, defende Renata.  

"Na verdade, ela tende a contribuir para o afastamento de pessoas, assim como o aumento de relacionamentos conflituosos, ressentimento, ruminação e consequentemente sensação de abandono e desamparo", enfatiza ela.

A psicóloga e terapeuta de casais, pós graduada em terapia cognitivo comportamental Elayne da Silva Novais Santos, afirma que apesar da retaliação por um adultério confirmar a quebra do contrato amoroso, o ideal é tentar lidar com o problema dentro da esfera do casal, e assim evitar influências negativas de fora.

"Essa 'denúncia' – que nada mais é do que uma revelação da dor, da perda de um laço que precisará passar por um processo de luto  – pode ser útil contanto que não venha a ferir a moral de quem teve o comportamento de traição", pontua a profissional.

Ela acrescenta que é preciso, no entanto, ter um limite "justificável" já que nem toda traição amorosa merece ser jogada no "tribunal da web".

"Levar essa experiência para o mundo virtual muitas vezes é uma estratégia inconsciente na busca de um alívio imediato. Mas a verdade é que essa atitude pode ter consequências graves", complementa.

Mas não é sempre que uma situação vexatória pública consegue aliviar a dor nessas horas. Botar a boca no trombone nem sempre vai "te pintar" como o mocinho da história, observa Elayne.

"As reações dos amigos ou seguidores podem muitas vezes ser acolhedoras, empáticas e confortantes. Por outro lado, há sempre o risco de sermos julgados negativamente. Por isso, é preciso estar ciente da força da repercussão que esse tipo de postura pode gerar", destaca.

Consequência jurídicas

Além de nos expor a julgamentos sociais, externar uma traição na internet pode trazer consequências jurídicas e até gerar indenização, esclarece a advogada Amanda de Oliveira Almeida, especialista em direito do trabalho e de família.

"Para que a divulgação de traição conjugal possa gerar o dever de indenizar, além de estarem preenchidos os requisitos do art. 186, do Código Civil, é imprescindível que a exposição seja pública perante terceiros, ou seja, deve ir além do âmbito pessoal entre as partes, com notícias a terceiros, com o propósito de ultrajar, humilhar o cônjuge traído. Deve restar demonstrado que o dano moral ou psíquico sofrido pela vítima causou dor e sofrimento com a traição exposta publicamente, colocando-a em situação vexatória e humilhante", contextualiza.

'Bola para frente' costuma ser a melhor solução

Renata Borja sugere que, ao invés de se fazer queixas na internet, uma rede de apoio e conversas sinceras podem ser uma solução mais construtiva.

Sentir raiva não necessariamente implica em vingança. Gandhi costumava dizer que mesmo que alguém nos faça algo que mereça repreensão, ainda assim essa pessoa merece o nosso respeito. Quando somos prejudicados, traídos e desrespeitados e utilizamos uma estratégia igual ou pior estamos nos equivalente ao nosso agressor, e com isso perdendo a nossa razão e até mesmo a conexão com os nossos valores", argumenta ela.

Ela ensina que o autocontrole pode ser a saída mais viável.

"Na hora da raiva, os comportamentos sugeridos são: respirar fundo e se afastar até a regulação emocional; energizar-se para agir com justiça, respeito, generosidade, gentileza, compaixão, autonomia e autoridade; contemporizar; dialogar, posicionar-se; resolver; colocar limites; defender-se; promover mudanças e transformações. No caso em questão, uma boa possibilidade seria colocar fim ao relacionamento ou buscar o apoio de outros. Dialogar com o objetivo de resolver o problema buscando a mudança ou transformação do relacionamento também ainda é a melhor estratégia. Nada melhor do que vencer a traição com a nossa paz", arremata Renata.