Sensações

Expressão do corpo: a complexa relação entre postura e emoções

Cargas emocionais podem determinar disfunções corporais e motoras

Seg, 02/05/22 - 05h30
Segundo especialistas, a postura traduz a emoção | Foto: Kevin Wiliams/Divulgação

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Embora as alterações da postura na adolescência possam ser consideradas um problema de saúde pública pelo fato de aumentarem a predisposição a doenças degenerativas nos adultos e nos idosos, as investigações sobre as causas do problema são normalmente pautadas apenas pelas observações dos hábitos posturais diários, pelas análises ergonômicas do mobiliário e pela análise das alterações estruturais das vértebras. Estudos que, portanto, geralmente ignoram que essas disfunções posturais são multifatoriais e que aspectos emocionais e psicossociais podem ser determinantes para a manifestação do distúrbio. 
 
As observações são dos autores do artigo “Postura corporal e aspectos psicossociais: implicações para uma abordagem multidisciplinar”, publicado na Revista Eletrônica Multidisciplinar (Facear), e escrito por pesquisadores ligados ao curso de psicologia do Centro Universitário de Brasília (Iesb). Para eles, a postura pode ser considerada uma representação somática das emoções. “Pode tornar-se a somatização do passado, do cotidiano, da forma de se posicionar diante das situações de lazer, trabalho, repouso, estado emocional, dentre outros”, descrevem, indicando que, aparentemente, existe grande correlação entre postura e individualidade e que a melhora do estado emocional aprimora a postura, assim como a postura influencia o estado emocional. 
 
“O corpo se expressa pela postura, pelo gesto e pela mímica. A postura traduz a emoção. Mesmo se a expressão for inibida, o sistema neuromuscular é ativado da cabeça aos pés. Pensamentos e emoções acionam grupos musculares. As posturas representam uma escolha. Essa escolha é uma linguagem, é a expressão de um modo de ser e de um comportamento. Certas motivações impelem o corpo para a frente, outras exercem sobre eles forças que o freiam”, lê-se no artigo. 
 
As observações estão inteiramente alinhadas com análises do palestrante e personal trainer Samorai, que é bacharel em esporte pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em movimentos e em treinamento 3Dimensional e estudioso de antroposofia e massoterapia. “O ser humano é um ser complexo, por isso, ao falar em atividades físicas ou em exercícios para correção da postura, não podemos ignorar os mais diversos fatores. Não podemos reduzir a uma questão apenas anatômica ou resumir a atividade física ao ganho de musculatura ou perda de peso, como se todas as atividades fossem funcionar universalmente, para todas as pessoas”, diz. 
 
“Vamos imaginar, por exemplo, que tem um exercício que é muito bom para o desenvolvimento de determinada região do corpo, mas que exige que a pessoa fique em uma posição em que ela se sente mais vulnerável. Se estamos falando de uma pessoa muito tímida, ela pode se sentir exposta e se retrair. Por causa disso, o exercício pode gerar, em vez de benefícios, prejuízos para esse indivíduo”, comenta. “Portanto, esses fatores devem ser levados em consideração ao pensar em programas de treinamento ou em tratamentos posturais. Se isso não ocorrer, corremos o risco de sofrer com problemas físicos advindos dessa negligência”, alerta o especialista. 
 
Samorai destaca que dores físicas podem, inclusive, ter origem em alterações posturais ocasionadas por aspectos emocionais e psicossociais. “Voltemos ao exemplo da pessoa muito tímida. Sabemos que, por sentir vergonha cronicamente, ela tende a ter ombros e cabeça projetados para frente e as costas curvadas. Para ter equilíbrio, esse corpo precisa exigir mais da coluna para compensar o peso que tende para a frente. Essa má postura pode, em algum momento, se manifestar na forma de dores ou, em casos mais graves, na forma de uma hérnia de disco (condição relacionada a um problema com um disco cartilaginoso entre as vértebras) ou de uma lombalgia (quando há dor na região lombar, ou seja, na região mais baixa da coluna, perto da bacia)”, adverte.  
 
“Outro caso comum é o daqueles sujeitos muito estressados, que ficam com os ombros tensionados. Quando isso se torna crônico, no longo prazo, problemas mais graves podem surgir, como uma tendinite (inflamação caracteriza pela presença de dor e inchaço do tendão, podendo ocorrer em qualquer tendão do corpo, mas mais frequente nos ombros, cotovelos, punhos e joelho) ou uma bursite (inflamação das bursas, que são pequenas bolsas que ficam entre ossos, músculos e tendões, afetando ombros, quadril, joelhos, pés e cotovelos)”, pontua. 
 
O palestrante ainda lembra que muitos desses desconfortos costumam ser negligenciados e tratados com a automedicação, prática que está longe do ideal. “Se eu reiteradamente tomo um analgésico, um relaxante muscular, estou apenas tratando o sintoma, mas não a causa. E, por isso, o problema não será solucionado”, situa. Por isso, ele destaca que um tratamento multidisciplinar é o ideal. “Da mesma maneira que, por exemplo, ao nos sentirmos ameaçados e ansiosos, nosso corpo muda, podemos também, por meio de exercícios conscientes, nos acalmar por meio de nossa atitude corporal, que vai comunicar ao nosso cérebro aquela informação”, aponta. 
 
“Vamos imaginar uma pessoa caminhando. Se ela está com medo ou com raiva, ela caminhará de um jeito diferente. Ou seja, o fator emocional vai interferir inconscientemente no movimento físico. Mas, ao mesmo tempo, ao identificar que estamos agindo assim, podemos interferir. Portanto, ao abrir o peito ou controlar minha respiração, estou contribuindo para dissipar esse estado de medo ou de raiva”, observa, citando que a prática é muito comum entre esportistas. 
 
Mais uma vez, as conclusões de Samorai acompanham aquelas encontradas pelos autores do artigo “Postura corporal e aspectos psicossociais: implicações para uma abordagem multidisciplinar”. Com base em uma revisão da literatura científica sobre o tema, eles sublinham que a postura corporal do indivíduo é influenciada por aspectos psicossociais, como o ambiente educacional, a comunicação verbal, a personalidade e a ansiedade. “Esses achados norteiam a abordagem interdisciplinar ou multidisciplinar no tratamento ou na prevenção das alterações posturais. O tratamento não pode ser limitado ao contexto das atividades diárias básicas e às modificações estruturais osteomusculares”, dissertam.

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