Comportamento

Folia carnavalesca e geração conectada gera locais inusitados para praticar sexo

Os tradicionais motel, carro e drive-in não foram totalmente ultrapassados, mas têm perdido espaço para outros fetiches e fantasias

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 16 de fevereiro de 2024 | 06:30
 
 
Folia carnavalesca e geração com menos bens materiais gera locais inusitados para praticar o sexo, que ultrapassam os tradicionais como motel, carro e drive-in Foto: Vergani_Fotografia/iStockphoto

Sem grana para pagar um motel, não sendo do tipo que frequenta bordel, e como “em casa é impossível namorar”, o apelo é claro: “Papai me empreste o carro/ Pra poder tirar um sarro, com meu bem”. Os versos de Rita Lee, lançados na música “Papai, Me Empresta o Carro”, parceria com o marido Roberto de Carvalho, de 1979, parecem mais atuais do que nunca, especialmente no período carnavalesco. 

“O Carnaval é, sim, um momento de maior liberdade, não para todos, mas que atinge grande parcela da população, e o sexo costuma ocorrer de forma mais casual, em locais de fácil acessibilidade, como no carro ou na casa de alguém, e também em alguns que não são tão confortáveis nem saudáveis, como o banheiro químico”, observa a psicóloga e sexóloga Bruna Belo, que aponta “o imediatismo e a ideia de aproveitar a oportunidade” como determinantes para as chamadas “rapidinhas”. 

Segundo ela, todo esse contexto exemplifica “quão paradoxal é o sexo na nossa sociedade”. “É preciso pensar sobre o que desejamos para a nossa vida sexual, para além de fazer tudo diferente no Carnaval e, no resto do ano, agir de outra forma”, pontua. A excitação própria da folia pode coincidir com o lugar escolhido ou encontrado para a transa. Bruna ressalta que existe todo um processo cognitivo, de pensamento e sentimento, atrelado a questões corporais, físicas, que crescem até o ápice do prazer, conhecido como clímax, e que pode gerar o orgasmo. 

“O mais importante é aproveitar esse caminho, curtir o processo. Se você está preocupado com outras questões inerentes ao local do sexo, como se as pessoas estão passando, se tem alguém vendo, etc, essa ansiedade acaba atrapalhando o erotismo da ocasião”, pontua. A especialista destaca que “nem todo sexo vai ser um conto de fadas”, e que lugares inusitados têm a capacidade de permitir posições e fantasias sexuais que a típica cama de motel talvez não dê conta de realizar. “Tudo vai depender do que a pessoa deseja para aquela experiência sexual”, sublinha. 

Fetiches

Banheiro, elevador, escada e mesa de sinuca muitas vezes alimentam a máxima do “proibido é mais gostoso”. Bruna salienta que esse tipo de conteúdo costuma ser veiculado pelas mídias, que tendem a romantizar o sexo, com destaque para as novelas. “A excitação às vezes antecede o momento da transa. A pessoa nutre esse desejo na fantasia e a imaginação pode ser até mais interessante do que a prática”, diz. A iminência de ser descoberto é outro fator que detém o poder de incendiar o sexo, para quem tem essa atração pelo perigo. 

“Sabemos que o desejo é atravessado por questões culturais, mas, também, subjetivas e individuais. Tem gente que gosta de conforto, outros que preferem o suspense”, afirma. Bruna afirma que, embora os novos tempos tenham, sim, acarretado mudanças significativas nas práticas sexuais, locais consagrados como motel, drive-in e carro não foram totalmente abandonados. “A gente vê memes no Instagram brincando sobre a vida sexual do jovem que abordam a questão da falta de grana”. Estudiosa do tema, ela adota o termo “geração canguru” para se referir à leva de jovens que têm saído mais tarde da casa dos pais. 

“São pessoas que tendem a ter menos bens materiais, que não possuem carro nem dinheiro para o motel, e aí procuram o banheiro da balada, a casa do amigo, um canto por aí, enfim, lugares que estão acessíveis à realidade dela, para transar”. A relação mediada por aplicativos também interfere nessa equação. Quarto país do mundo em usuários de internet, a impressionante estatística brasileira revela “que o mundo digital ocupa um espaço central na vida das pessoas”. Os famosos nudes e mensagens eróticas, em alguns casos, substituem as relações propriamente físicas. 

Já os aplicativos de relacionamento oferecem “um cardápio, uma tabela quase Ifood”, compara, em referência ao aplicativo de comida a domicílio, e carregam consigo os seus próprios riscos. “Se esses jovens tiverem uma estrutura familiar, um apoio, terão melhor informação do que é seguro, mas variáveis como a situação socioeconômica podem atravessar essa questão e levar à prática sexual em locais insalubres”, alerta Bruna, que considera importante compartilhar a localização com amigos, familiares ou conhecidos ao se envolver em um encontro via aplicativo. 

Geração focada na carreira se dedica menos ao sexo

A sexóloga e psicóloga Bruna Belo conta que há estudos científicos que demonstram uma tendência na realidade sexual de países como Brasil, Japão, Alemanha e Holanda. “As pessoas estão preferindo estarem conectadas ao celular do que transando”, aponta a entrevistada.

A mesma pesquisa mostra que ¼ dos brasileiros entre 18 e 24 anos são virgens. Outras formas de prática sexual, “que não eram tão evidentes antigamente”, tomaram o espaço da tradicional relação conjugal. “A masturbação, a pornografia e os brinquedos sexuais têm sido mais utilizados pelos jovens”, declara Bruna. 

Se, “na época dos nossos avós, aos vinte anos as pessoas já estavam casadas, preocupadas com a vida a dois”, hoje em dia a carreira vem na frente. “É toda uma geração que, primeiro, quer trabalhar a própria autonomia, conquistar o seu lugar ao sol no mercado de trabalho, para, depois, pensar em relacionamentos, em casamento, em ter filhos”, afirma a sexóloga.

Essa experiência mais individualista de sociedade, focada em planos e projetos próprios, aliada à ampla presença das mídias digitais, por vezes gera uma inibição. “É uma geração que almeja seu espaço privado, o banheiro, o closet individual, e pode ficar inibido ao tirar a roupa na frente do outro”, finaliza Bruna.