Com mais de 810 milhões de usuários cadastrados, o LinkedIn é reconhecidamente a maior rede social com foco no universo corporativo do mundo, sendo um instrumento eficiente para conectar profissionais e empresas. A premissa é aparentemente simples: trata-se de um ambiente mais formal, em que as pessoas mantêm perfis atualizados sobre suas áreas de atuação e descrevem suas experiências e seus conhecimentos. A partir de então, é possível que o usuário estabeleça conexões com outros com interesses afins, ampliando seu networking, e se cadastre em oportunidades que coincidam com o seu perfil. Mas, diferentemente de quando surgiu, em 2003, quando era apenas uma grande vitrine de currículos e vagas e um espaço para troca de mensagens entre colegas de trabalho, hoje a plataforma possui diversas funcionalidades e seria superficial resumi-la como um “classificados de empregos” repaginado.

Para começar, a partir de 2010, quando foi lançado em português, o LinkedIn ganhou novas funcionalidades, como um feed próprio, alimentado por conteúdos produzidos pelos usuários – seguindo, portanto, o modelo bem-sucedido de plataformas como o Facebook e o Twitter. Logo, manifestações e interações públicas entre as pessoas passaram a ser mais estimuladas. E, desde então, novas funções foram lançadas. Em 2016, por exemplo, a empresa lançou o Top Voices, que reconhece o papel de influenciadores de destaque em cada país. No mesmo ano, a rede impulsionou o Pulse, que funciona como um agregador de notícias. Assim, à medida que foi ganhando relevância, cresceu também a sensação de ser “obrigatório” a quem está no mercado de trabalho manter um perfil nesta rede social. Tanto que, hoje, existem até cursos que prometem ensinar o usuário a conquistar engajamento e atrair oportunidades a partir da criação de conteúdos especificamente pensados para o ecossistema do LinkedIn.

Contudo, assim como outras redes sociais, a plataforma também é alvo de críticas. Embora não esteja tão em evidência e não apareça no olho do furacão de escândalos que abalaram a credibilidade de redes sociais do grupo Meta – entre as quais como o Facebook e o WhatsApp, acusados de manipulação massiva dos usuários, como no caso Cambridge Analytica, que envolveu a coleta de informações pessoalmente identificáveis de até 87 milhões de pessoas –, o LinkedIn também costuma ser apontado como problemático por uma série de fatores, inclusive por impactar negativamente a saúde mental dos usuários. 

Acusação semelhante, aliás, já foi feita contra o Instagram, que tem foco no compartilhamento de imagens e vídeos e que também pertence ao conglomerado de tecnologia Meta. Conforme revelou o jornal norte-americano Wall Street Journal, a partir de relatórios da própria empresa vazados para a imprensa, 32% das adolescentes do sexo feminino na pesquisa interna disseram que, quando se sentiam mal com seus corpos, a rede social as fazia se sentir pior. Efeito semelhante é percebido no caso da maior rede social profissional do mundo. Analogamente, há a percepção de que, assim como no Instagram, onde o contato com corpos “perfeitos” e com um cotidiano “sempre feliz” pode motivar comparações injustas e excessiva autocobrança, no LinkedIn, a exposição a reiteradas histórias que dão conta de carreiras “perfeitas”, em que as vitórias são regra e os fracassos e desafios exceção, também pode ser nociva.

“Sabemos que a comparação excessiva pode ter consequências para a saúde mental, favorecendo a baixa autoestima e levando a reafirmação de uma crença de desvalor. Neste cenário, é importante lembrar que as redes sociais têm, muitas vezes, ativado esse comportamento”, apontou a psicóloga Isabel Pimenta, em entrevista sobre como, apesar de ser importante para a formação pessoal, a comparação pode se revelar uma armadilha quando desmedida. Para a professora do departamento de psicologia do Centro Universitário Una, as mídias digitais são, sim, um problema nesse sentido. “Elas vendem um modelo de perfeição – de estilo de vida, de beleza ou de sucesso profissional – que, na verdade, só reflete um padrão social que preza pelo perfeccionismo e que não lida bem com o erro, impondo uma ideia errônea de felicidade e de juventude eternas. Dessa forma, pessoas que já têm uma crença inferiorizante internalizada podem ver essas questões serem potencializadas em função de uma comparação desleal”, diz.

A especialista em comportamento humano e produtividade Carolina Jannotti concorda. “Como toda rede social, o que a gente tem exposto, publicado, são recortes da vida. Portanto, trata-se de uma realidade editada, que costuma ter apenas os melhores momentos. Pensando especificamente no caso do LinkedIn, vemos muitas publicações sobre vitórias, promoções, a conquista de um cliente novo, a meta alcançada. São mais raras, contudo, os posts sobre o cliente que foi perdido, sobre o que deu errado. Isto é, dificilmente se fala da caminhada, do processo, do que se perdeu ou do preço pago para se chegar onde se chegou”, sinaliza. Ela ainda cita que, até por receio de represálias, não há muito espaço na plataforma para relatos que mostram a realidade dos desafios do dia a dia, inclusive referentes à convivência.

O efeito disso é aquela sensação de que a grama do vizinho é sempre mais verde. “É especialmente problemático porque você, enquanto está afundado nos seus desafios diários, passa a se comparar apenas com as conquistas do outro, que não expõe ali como ele também está afundando nos desafios dele. Enfim, você compara o show do outro com o seu backstage”, argumenta. Esse desejo constante de confrontar nossas qualidades e conquistas com as dos outros pode se converter em um gerador de ansiedade e, até mesmo, em transtornos mais severos, como os relacionados à imagem corporal, além da depressão. “Nossa autoestima está ligada diretamente à nossa autocrítica. Logo, quanto mais somos críticos com nós mesmos, menos será nossa autoestima, pois o que fazemos não nos parecerá bom o suficiente”, esclareceu a mestre em psicologia clínica Daiana Quadros Fidelis.

Além disso, por receio de ser mal visto ao nadar contra a maré, é comum que os usuários da rede evitem expor problemas, criando uma espiral do silêncio para qualquer situação que não seja lida socialmente como positiva. Não por acaso, se abundam na rede as fics – termo usado na web para descrever histórias criadas por usuários das plataformas que não correspondem à verdade. São histórias mirabolantes, que falam sobre conquistas quase impossíveis e falam sobre feitos heróicos. E tamanha é a positividade que até episódios de demissão, que são potencialmente traumáticos, tendem a ser narrados como uma epopéia de superação – algo que, aliás, costuma gerar muito engajamento. O problema é que, muitas vezes, em situações que, acriticamente, desconsideram seus contextos. Caso de relatos de pessoas idosas que saem de casa para fazer entregas para aplicativos de delivery. O feito é celebrado com mensagens que exaltam aquela atitude, questionando aos outros: “Qual a sua desculpa?”. A ideia por trás da pergunta é a de que o sucesso, portanto, depende apenas do indivíduo – o que tende a gerar excessiva autocobrança.

“É uma rede social que fomenta essa lógica da produtividade extrema, que negligencia o descanso, sugerindo aos usuários que eles devem ser o tempo todo produtivos – inclusive, usando o momento de descanso para se aprimorarem, fazer cursos etc. Se estou em meu horário de descanso e olho a timeline, posso até me sentir mal, improdutivo, com um peso injustificado na consciência”, destaca Carolina Jannoti. E essa dinâmica pode potencializar uma lógica que nos faz pensar que precisamos cumprir com toda expectativa depositada em nós e que nós mesmos nos colocamos. “O problema é que, enquanto tentamos cumprir esse papel, agindo como se fôssemos uma máquina, tentando fazer tudo ao mesmo tempo, vamos construindo uma rotina excessivamente acelerada, que vai nos adoecendo”, observou Vivian Wolff, especialista em desenvolvimento humano e mindfulness.

Para ela, para lidar melhor com essa pressão, precisamos trabalhar o autoconhecimento e a autocompaixão. “Logo, ou entendemos, conscientemente, que não somos máquinas, ou nosso corpo faz isso por nós. Então, é melhor que compreendamos nossa humanidade, que somos falhos e imperfeitos, que teremos dias melhores e piores”, diz.

(Com Letícia Fontes)