Mais ou menos universal, a ideia de que temos sobre o que é ser bem-sucedido se constitui a partir de um emaranhado de conquistas. No campo profissional, há pressão pela construção de uma carreira sólida, que traga bons ganhos financeiros e nos torne referência em nossa área de atuação. Ao mesmo tempo, é importante dar sinais de tanto sucesso, seja ostentando bens de consumo desejados ou aquele corpo perfeitamente adequado aos padrões sociais vigentes. Do ponto de vista afetivo e social, ter um casamento harmonioso e exemplar, com filhos bem educados e, de preferência, brilhantes, é essencial. Melhor ainda se o pacote incluir a admiração alheia, de forma que sejamos capazes de influenciar aqueles que estão ao nosso redor.

Mas será que é isso mesmo? Precisamos mesmo gabaritar e cumprir com todas essas expectativas em nós depositadas? E quais os impactos de se viver sob tanta pressão?

Foram essas perguntas que inquietaram a psicóloga e pesquisadora Renata Borja, que desenvolveu um estudo sobre as crenças e atitudes de sucesso no contexto de diferentes gerações e de diferentes culturas, comparando a realidade brasileira à portuguesa. Para ela, a exigência de excelência em todas as esferas da vida e o tempo todo geram desgaste excessivo, se revelando uma potente ameaça ao bem-estar emocional.

“A minha ideia era buscar compreender se, no íntimo, as pessoas concordavam com esse ideal do que é ser bem-sucedido, que foi culturalmente construído e que faz uma série de exigências, muitas das quais impossíveis de serem cumpridas”, comenta. Segundo essa lógica, para saber se alguém obteve êxito em sua vida, basta checar se essa pessoa possui dinheiro, status ou fama e se ela exerce poder de influência ou de comando sobre os outros. 

E é com essa métrica que a maioria das pessoas ouvidas pela estudiosa mede o sucesso alheio, conforme demonstrou um outro inquérito aplicado por Renata. Nessa pesquisa, que teve como foco estudantes do ensino médio em Belo Horizonte, foi possível identificar que figuras como jogadores de futebol, artistas de sucesso e influenciadores digitais eram, normalmente, as referências mais citadas por esses jovens como exemplos de sucesso. 

Com efeito, o desejo de alcançar esse ideal de êxito socioeconômico gerava grande carga de cobrança e de autocobrança nos estudantes secundaristas entrevistados, que, muitas vezes, apesar da pouca idade, se classificavam como fracassados. Ao final da investigação, Renata constatou que 75% deles, com idade entre 14 e 16 anos, admitia sofrer de ansiedade. E a esmagadora maioria (90,46%) considerava que essa emoção os prejudicava. Por outro lado, entre os que não se viam como sujeitos que fracassaram, a noção de sucesso era individualizada e flexibilizada.

Curiosamente, aliás, quando examinada mais intimamente, a noção de sucesso pessoal nem sempre tem relação com a obtenção de dinheiro, de status ou fama e com o exercício de poder. “De forma geral, no íntimo, o sucesso aparece mais atrelado a emoções positivas e atitudes de bem-estar”, comenta a psicóloga citando dados de suas pesquisas. “Trata-se de um fenômeno curioso que revela como perseguimos um ideal que nem sempre está em consonância com o que, no fundo, acreditamos”, salienta.

“A gente tem essa visão porque quer ter sucesso, quer se dar bem, e a gente foi ensinado a perseguir esse ideal de sucesso de maneira acrítica. E é aí que está o problema. Afinal, estamos buscando coisas que não nos preenchem, que não são exatamente o que desejamos para nós. Então, a gente faz, faz, faz, mas isso não nos satisfaz, porque não há propósito no que estamos fazendo”, critica, inteirando que essa inversão de valores traz sofrimento e adoece a sociedade, gerando casos de problemas psicológicos, como quadros de depressão e  distúrbios de ansiedade. 

O psicólogo Roberto Debski concorda. “Quando alguém segue padrões, tendências ou projetos que não seus, mas ditados por normas sociais, ideias coletivas ou tendências de grupos, geralmente não se sente vivendo os próprios valores e crenças pessoais. Isso pode levar a pessoa a se sentir vazia, distante de si própria e muitas vezes pode desencadear ansiedade, estresse e até mesmo depressão, mesmo quando consegue atingir esses resultados. Viver projetos que nos foram ditados pelos outros é um dos fatores de adoecimento físico e emocional nos dias de hoje”, salienta.

Para o especialista, estar atento a essas dinâmicas é fundamental para que se possa ter uma vida saudável. “Para cuidar das emoções devemos prestar atenção ao que sentimos, devemos nos colocar no momento presente, ampliando sempre a consciência, identificando os padrões emocionais que nos fazem sofrer e aprendendo a lidar com nossas emoções”, pontua, indicando que essa busca acrítica e automatizada por um ideal de sucesso vazio será nociva para a saúde como um todo - “afinal, como já estabeleceu a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde em si é o bem estar físico, mental e social”, lembra.

“Podemos caminhar na direção do bem-estar emocional através do autocuidado. Nesse sentido, é muito útil aprender técnicas como a meditação e, se indicado, buscar a ajuda de profissionais capacitados para o suporte psicológico”, afiança. “Também é crucial ter consciência de que o autoconhecimento e a ampliação da consciência são um processo, um caminho, nunca um ponto de chegada. Durante a vida toda podemos e devemos aprender a nos tornarmos mais conscientes, saudáveis e de bem conosco, com os outros e com a vida”, argumenta o psicólogo.