A relação do homem brasileiro com a moda nunca foi fácil. Ao longo dos anos, o modo de vestir masculino quase sempre se apoiou numa estabilidade formal e cromática – e acima de tudo tradicional.

Mesmo em pleno século 21, quando tendências e estéticas “sem gênero” orientam o mundo fashion, uma grande parcela do público masculino ainda se encontra presa a preconceitos e resistências e prefere não se arriscar na hora de montar um guarda-roupa mais ousado.

Uma pesquisa feita pelo Instituto Ideia para a revista GQ Brasil e publicada em maio deste ano, revelou que mais de 51% dos homens no Brasil evitam parecer gays na hora de se vestir. O percentual também se mostrou alto no caso de homens bissexuais (50%) e até mesmo entre os homossexuais (23%). Isso deixou claro como muitos brasileiros percebem a moda como uma ameaça à sua masculinidade.

O estilista Rodrigo Fraga, especialista em moda masculina, lida de perto com esse tabu que ainda predomina na esfera da moda feita para homens.

"Isso tem a ver com uma herança cultural", avalia. "E não são só os brasileiros que carregam o velho estigma do 'macho man' sedutor, mas isso é algo que se nota, de forma geral, em todos os latinos", analisa ele, que acredita que tal atitude reflete uma crise de identidade e demonstra que ainda existe uma forte rejeição a qualquer outra "maneira de ser homem". 

No entanto, Fraga diz que é possível notar-se uma leve transformação de mentalidade, principalmente entre a chamada "geração millennial".

"Essa questão do machismo distanciar o homem da moda está ficando no passado. A internet encurtou o mundo e o acesso à informação está disponível para todos. Quando comecei minha carreira, em meados da década de 1980, não se falava em camisa rosa para homens. Hoje, qualquer loja masculina, por mais tradicional que seja, já vende camisas rosas e tecidos com brilhos. Já existe demanda para esse tipo de estilo", cita.

Para o diretor criativo e stylist Renan Rocha os jovens de hoje em dia estão cada vez mais abertos à proposta de acabar com os limites do que é visto como masculino ou feminino no universo da moda.

"A nova geração entende que se preocupar com o que vestimos, com nosso estilo e aparência não afeta a sexualidade de ninguém. Cada vez mais as pessoas procuram tendência e já não estão preocupadas se um corte pertence à ala feminina ou masculina. Elas querem vestir aquilo que os agradam", observa Rocha, que aprova essa emancipação.

"É incrível que cada vez mais o universo masculino esteja incorporando um pouco da essência do feminino. Isso está aparecendo nas grandes grifes e até mesmo nas marcas locais. Tudo isso sem dúvida vai impulsionar uma quebra de barreiras positiva no futuro próximo", projeta ele.

Segundo especialistas, essa leveza e atitude tranquila em relação ao modo de vestir masculino não é nada novo.

"É preciso entender que durante muito tempo o guarda-roupa masculino era tão pomposo quanto o feminino. Já houve tempos em que jóias, perucas, maquiagem, meias de seda e sapatos de salto faziam parte da indumentária masculina", informa Rodrigo Fraga. "Esse cenário só mudou drasticamente a partir da década de 1940 e por causa da guerra. Foi a realidade no front que acabou mudando de vez a moda masculina para algo mais austero", afirma.

Dos estereótipos à emancipação

Mas será que é possível que os homens possam chegar ao ponto de viver sem os estereótipos da padronização de um estilo definido?

O consultor de moda e empresário Rodrigo Cezário diz que isso não é só viável como inevitável.

"Estilo é um reflexo da personalidade – é como exteriorizamos nossas crenças, valores e nosso conteúdo interior. O que essa padronização consegue é podar nossa forma de viver com plenitude e de expressar quem realmente somos", argumenta.

"Hoje a gente tem uma moda mais democrática, com liberdade de estilo. A nova geração não aceita padrões pré-estabelecidos. Acho que vamos ver muito mais dessa uniformização no futuro também e que as pessoas vão estar mais preocupadas com suas evoluções como raça ao invés de ficarem presas a questões de divergência entre os gêneros", aposta Cezário.

Embora não tão otimista, Rodrigo Fraga concorda e acrescenta: "Não sei se estarei vivo para presenciar tudo isso, mas espero que o mundo possa realmente seguir esse caminho. E que não demore muito", arremata.