Nos dois primeiros anos após o término de um namoro de quatro anos, a vida de Verônica Souza, 28, parecia não andar. “Ele foi o meu primeiro amor, foi a pessoa com quem desbravei o prazer e descobri o mundo. Então foi muito difícil encarar a separação. Tanto que, muitas vezes motivados por brigas bobas que só reforçavam como nossa relação estava desgastada, ficamos quase um ano nesse iôiô, entre idas e vindas”, lembra a comunicóloga. E, quando finalmente decidiram pôr um ponto-final na história, tamanho era o apego, acabaram fazendo dele reticências.
“Em uma tarde de domingo, terminamos de vez, sabendo que seria o melhor para nós. Mas tudo ficou tão bem que o carinho e aquela lembrança dos tempos bons continuaram nos perseguindo”, recorda, mencionando que esses sentimentos ficaram ainda mais à flor da pele por eles terem se forçado a manter a amizade. “Nós nos achávamos muito maduros e pensamos que seria fácil separar as coisas. Na prática, essa decisão significou que, por mais de dois anos, seguimos trocando ligações intermináveis para contar das novidades, que ele continuava indo aos churrascos na casa dos meus pais e, além disso, rolavam também os encontros, que eram para ser coisa de amigos, mas, às vezes, acabavam em um ‘remember’”, conta, recorrendo ao estrangeirismo usado para descrever uma repetição de algo do passado, nesse caso, o encontro sexual com o ex-namorado. “O problema é que, por isso, eu não conseguia ficar em outros relacionamentos e me entregar de verdade a outras pessoas. Era como se, mesmo solteira, eu estivesse presa a um fantasma do passado”, reconhece.
A exemplo do relato de Verônica, histórias de pessoas que já penaram até conseguir superar um término são comuns e mostram como o amor é um sentimento complexo, que pode nos levar a experiências incríveis e, ao mesmo tempo, a situações de sofrimento. Com razão, como um espelho dessa dinâmica, é fácil encontrar produtos de entretenimento, como filmes, músicas e livros, que tematizam a dor causada por um ex-amor em episódios repletos de recaídas. Caso do samba “Você Me Vira a Cabeça” na interpretação rasgante de Alcione. A música encontra eco em tantos corações que, a exemplo da composição de 1997, já quiseram perguntar a um ex-amor: “Por que você não vai embora de vez?/ Por que não me liberta dessa paixão?/ Por quê?/ Por que você não diz que não me quer mais?/ Por que não deixa livre o meu coração?”.
Esse problema, aliás, atravessa a fronteira da ficção e aparece, com frequência, também no divã da psicoterapia. Lembrando que as recaídas podem acontecer também quando existe ressentimento entre as partes na tentativa de se reviver uma história que, no passado, foi gostosa e satisfatória, a psicóloga e sexóloga Leni de Oliveira adverte que essa dinâmica deixa de ser saudável quando uma das partes, por causa desses reencontros, passa a acreditar que há a possibilidade de reconciliação enquanto, para a outra parte, essa possibilidade não existe. “Nesse caso, as recaídas acabam alimentando esperanças da pessoa, que não consegue seguir com a própria vida, já que ela fica presa a essa expectativa de uma possível volta. O ‘remember’, portanto, pode aprisionar o outro”, sinaliza.
Análise semelhante faz a psicóloga Tatiana Freitas Wandekoken. “Se esse movimento de retorno te impede de viver novas experiências, de conhecer novas pessoas e caminhar com a própria vida, você pode levantar algumas questões. As recaídas podem, sim, ser gostosas, mas será que te fazem bem? O quanto isso vem interferindo na sua vida cotidiana? Como você se sente nessa relação? A partir dessas perguntas, esse trabalho de autoavaliação é essencial porque não há ninguém, além de você mesmo, que possa responder se vale a pena continuar investindo nessa relação, mesmo de forma ‘não oficial’. É também interessante revisitar os motivos pelos quais houve o término e reavaliar o que mudou, se é que algo mudou”, aponta.
Viver o luto
Na avaliação de Leni de Oliveira, essa sensação de haver quase uma necessidade de se reviver uma história do passado está relacionada com a dificuldade de se elaborar o luto do fim daquele romance. “O que acontece é que, se a pessoa se priva de viver essa fase de enlutamento, ela pode entrar em outro relacionamento, mas ainda vai carregar consigo toda a herança da relação anterior. Assim, pode acontecer de os fantasmas do passado nos assombrarem de uma maneira que nos impeça de avançar e de criar conexões mais saudáveis”, situa.
Tatiana Wandekoken acrescenta que qualquer questão não elaborada pode interferir negativamente não só na nossa vida, mas também na nossa visão de mundo como um todo. “Alguns autores da psicologia falam sobre os ‘lutos simbólicos’, que seriam esses rompimentos e términos que acontecem cotidianamente em nossas vidas. Estamos falando de situações como a perda de um emprego e o fim de um relacionamento. Se esse luto não é elaborado de forma eficaz, é normal haver uma dificuldade em processar sentimentos, pensamentos e atitudes relacionadas a esse término”, assinala. “Isso pode impactar a minha visão de mim mesma – eu posso pensar que nunca vou conseguir me relacionar, que sempre vou ter relacionamentos falidos – e a minha visão sobre relacionamentos – me levando a concluir que todo relacionamento vai me machucar, que relacionamentos são, invariavelmente, confusos”, complementa, alertando que, nesses casos, o suporte profissional é indicado, não só pelo relacionamento em si, mas, acima de tudo, para a pessoa poder compreender as suas percepções sobre o que aconteceu e como isso impacta o seu estado emocional.
Ao atravessar esse período de enlutamento ou mesmo para melhor conviver com um amor do passado sem ceder às recaídas, Tatiana sugere que se evite o contato com a ex-parceria. “Mas entendo que há situações e contextos em que isso é impossível, como para as pessoas com filhos”, pondera. Além disso, vale a pena avaliar se ainda há amor. “Ora, não é porque essa pessoa foi um grande amor no meu passado que hoje isso ainda seja uma realidade, afinal, nós atualizamos (ou deveríamos atualizar) nossos sentimentos, prioridades, expectativas, etc.”, diz. Por fim, o pulo do gato é entender que, mesmo que exista o sentimento, compreender que só amor não é suficiente para manter uma relação saudável. “Eu entendo que não é fácil introjetar essa lógica quando somos ensinadas, constantemente, que basta um grande amor para que haja um relacionamento, mas, na prática, isso não poderia ser mais equivocado”, cita. “Caso você esteja em uma dinâmica como essa e perceba o quanto isso afeta o seu convívio e a sua rotina, sugiro que você busque ajuda profissional para entender os motivos pelos quais aquele relacionamento ainda movimenta seus afetos dessa maneira”, completa.
Por fim, Leni acrescenta que, mesmo na hipótese de reencontrar alguém com quem se teve um relacionamento no passado e, a partir daí, voltar a construir uma nova história juntos, é fundamental entender que aquele será um novo relacionamento, que, portanto, não deve ser interpretado como uma continuação daquela história que havia chegado ao fim. “É claro que um amor do passado pode se tornar o amor do presente, mas, para que funcione, precisamos primeiro encerrar aquela outra história para, então, iniciar um ciclo novo, mesmo que com a mesma pessoa”, adverte.