De que forma podemos aproveitar esse período de isolamento social para aprofundarmos os saberes que podem apontar uma lição para esse tempo turbulento?

Uma sabedoria milenar é o I Ching, antigo oráculo e livro de sabedoria chinesa que responde como um mestre às perguntas formuladas. Suas respostas são textuais e de natureza simbólica e podem ser compreendidas quando interpretadas em sintonia com o momento de vida de quem oconsulta.

“Estes símbolos somam 4.096 possibilidades e, sorteados ao acaso, iluminam a situação em questão, descrevendo a relação entre o querer humano e a necessária estratégia de ação para aquele momento. Os temas universais descritos por esses símbolos fazem com que experiências únicas, particulares e até desconcertantes adquiram coerência e significado”, revela o ichinólogo e psicoterapeuta Sérgio Condé.

De acordo com a sabedoria chinesa “a única coisa que não muda é a lei da eterna mutação”, ensina Condé, antes de fazer a primeira pergunta ao oráculo: “Como o I Ching representa a situação atual?”. O I Ching responde: “A viga-mestra cede a ponto de quebrar. É favorável ter aonde ir. Sucesso.O peso do grande é demasiado. A carga é excessiva para a força dos apoios. A viga-mestra, sobre a qual todo o telhado se apoia, cede, porque as extremidades que visam à sustentação são muito fracas para suportar o peso. Medidas extraordinárias são necessárias uma vez que esta é uma época e uma situação também excepcionais. Deve-se procurar o mais rapidamente possível uma saída e então agir. Isso promete sucesso”.

A interpretação de Condé para a resposta do oráculo é a seguinte: “A viga-mestra é a infraestrutura social em todos seus aspectos: saúde, econômico, financeiro, educacional, familiar, todos os níveis afetados pela atual situação excepcional e que necessitam de apoio imediato para que a estrutura não se parta. Isso também se refere à estrutura física, emocional e espiritual de todos nós, que, atravessando essa pandemia, também precisamos ‘ter aonde ir’, ou seja, um lugar lá fora que possa dar apoio médico, hospitalar ou financeiro. Ou, ainda, um lugar dentro de si que dê apoio para encontrar os próprios recursos internos para evitar o pânico ou ficar perturbado. Um lugar para encontrar forças e, assim, servir outros que não têm para onde ir”.

E onde está a saída para essa crise? A resposta para essa pergunta está delineada na primeira linha do hexagrama 28: “Seis na primeira posição significa forrar com uma esteira de junco branco. Nenhuma culpa. Quando se quer dar início a um empreendimento em meio a uma época excepcional, extraordinária cautela torna-se necessária, assim como, ao colocar algo pesado no chão, forra-se com junco embaixo para que nada se quebre. Essa precaução pode parecer excessiva, mas não é um erro. Os empreendimentos excepcionais só podem ter sucesso caso se observe a máxima cautela nos primórdios e nas bases”.

Segundo Condé, “aqueles que forem extraordinariamente cautelosos neste momento e o fizerem dentro de um espírito de cooperação encontrarão uma saída individual e coletiva. Afinal, essa não é uma situação do tipo ‘salve-sequempuder’. A questão se dirige também aos governantes. Terão eles a mesma visão de cooperação e das medidas cautelosas a serem tomadas? Algumas linhas desse hexagrama falam da única maneira de realizar algo de forma a encontrar concordância e cooperação entre governo e povo e também entre as pessoas dentro de seu contexto familiar”.

O ichinólogo explica que, em outras duas linhas abaixo do hexagrama 28, é possível reconhecer o governante ou o indivíduo que faz a viga quebrar e aquele que a sustenta:

“Nove na terceira posição significa: A viga-mestra cede a ponto de se partir. Infortúnio. Percebemos aqui uma personalidade que em tempos de preponderância do grande insiste em avançar com violência. Não aceita os conselhos dos outros e, em consequência, estes, por sua vez, também não se mostram dispostos a apoiá-lo. Por esse motivo a carga aumenta, e a estrutura cede ou se parte. Em épocas de perigo, uma atitude obstinada procurando avançar apenas acelera a catástrofe”.

Futuro depende do coletivismo

Neste momento delicado em que o planeta enfrenta a pandemia, os povos dependem das decisões tomadas pelos governantes. Em relação à frase “deixar-se endurecer em atitudes obstinadas”, Sérgio Condé explica que isso não apenas se refere aos governantes teimosos, mas também a alguns de nós.

“Muitos negam o que está acontecendo e querem continuar mantendo seus esquemas de sempre, recusando-se a seguir racionalmente aquilo que o tempo exige de todos nós. Eles não levam em consideração o risco que trazem para si e para os outros. Alguns, acima ou abaixo, vão agir a partir de suas paixões em vez de usar a razão”, observa o ichinólogo.

O oráculo descreve os obstinados, aqueles que não desejam ouvir nem seguir a razão: “Não há pele nas coxas e torna-se difícil caminhar”. Condé acredita que, se a humanidade deixasse de se conduzir como uma ovelha, o arrependimento desapareceria. “No entanto, quando ouvimos essas palavras não lhes damos crédito. Em virtude de uma inquietação interna, o homem quer avançar de qualquer maneira, mas encontra obstáculos insuperáveis. Surge, então, um conflito interior, resultante do desejo obstinado de impor sua própria vontade. Tudo iria bem, se ele desistisse de sua atitude obstinada. Mas esse conselho, como tantos outros bons conselhos, será ignorado porque a obstinação faz com que, apesar de ter ouvidos, não se possa ouvir”, adverte Condé.

Para fechar a leitura do oráculo, o ichinólogo pergunta outra vez a respeito do futuro, e a advertência vem do 6 na sexta posição: “Nenhum chamado. Ao final, chega o infortúnio. A vitória parece conquistada. Resta apenas um remanescente do mal, e este é o momento de erradicá-lo de forma definitiva. Tudo parece muito fácil. Mas nisso, justamente, reside o perigo. Caso não se esteja alerta, o mal poderá escapar, ocultando-se. Uma vez tendo escapado dessas sementes restantes, surgirão novos infortúnios, pois o mal não desaparece facilmente. O mesmo acontece com as falhas de caráter. Para erradicá-las é preciso um trabalho firme e profundo. Se o homem, por negligência, deixasse que alguma falha subsistisse, isso acarretaria novos infortúnios”.

E, para finalizar, um bom conselho do I Ching para se praticar durante a quarentena:

O homem superior não se aflige quando está só e não se deixa abater quando deve renunciar ao mundo”.