Bem-estar

Terceira idade: quando a velhice se transforma em uma chance para o recomeço

Em um país que caminha para ter mais cidadãos acima dos 60 do que crianças e adolescentes na década de 2030, especialistas apontam para novas maneiras de ser idoso

Por Da Redação
Publicado em 20 de outubro de 2022 | 05:00
 
 
Estudiosos constatam que os idosos de hoje em dia estão cada vez mais ativos e seguindo uma rotina sadia tanto no lado pessoal quanto no social Foto: Anna Bizon/Freepik

Raimunda Leusita Gomes, 62, estava numa encruzilhada. Após três décadas no mesmo emprego, ela finalmente conseguiu se aposentar no fim de 2014, e com as economias que conseguiu juntar ao longo dos anos, planejava curtir a vida sossegadamente numa casinha que está construindo no interior mineiro.

Tudo ia bem até chegar a pandemia. Durante os dois anos de isolamento em casa, ela viu o dinheiro da aposentadoria desaparecer lentamente. Foi quando decidiu que precisava voltar a trabalhar para garantir seu sustento e do marido doente.

"Nunca pensei que regressaria ao mercado nesse estágio da vida", diz ela, que hoje é atendente em um salão de beleza. "Apesar de tudo, estou feliz por ter forças para recomeçar. A velhice está na cabeça da gente. Qualquer fase da vida é boa para se tentar coisas novas", ensina.

Em um país que caminha para ter mais cidadãos acima dos 60 do que crianças e adolescentes na década de 2030, milhões de brasileiros todos os anos usam a terceira idade como um ciclo para se reinventar e descobrir novos significados.

Mesmo que pareça otimista, estudiosos não creem que essa atitude represente uma reviravolta na percepção da sociedade em relação aos idosos – que por muito tempo foram sempre invisíveis para muitos segmentos.

"Na cultura brasileira, infelizmente, não se valoriza a velhice nem toda a potencialidade das pessoas idosas", aponta Rodrigo Caetano Arantes, consultor em políticas públicas para o envelhecimento e pessoas Idosas, e especialista em gerontologia – ciência que estuda o processo de envelhecimento humano.

"Ainda se tem o imperativo de que o idoso é improdutivo, e de que envelhecer é algo ruim que precisa ser negado a todo instante", avalia.

Ele diz que mesmo no mundo moderno ainda é preciso muito trabalho para se quebrar todos os estigmas relacionados às pessoas de idade.

"Muita gente não enxerga o que há de positivo no envelhecer. Poucos dão valor para as experiências ou resiliências adquiridas com os percalços da vida – que podem ser de muita valia para as novas gerações", afirma o profissional.

O escritor Marcelo Júnio Ferreira também concorda que ainda existe muito preconceito em torno dessa fase da existência. Autor do romance "O Trem da Terceira Idade. Como Começar do Fim?", ele ressalta que é necessário se encarar todas as dimensões da velhice para além de suas limitações.

"A terceira idade é o nível mais alto da graduação da vida. Desde a infância tenho empatia pelos mais velhos porque eles são dotados de sensibilidade e sempre assumem sua vulnerabilidade. Acho que isso é algo que todos precisamos praticar", analisa.

Diante de tantos estereótipos, como os idosos de hoje em dia podem se manter ativos e com uma rotina sadia tanto no âmbito pessoal quanto no social?

"Com um maior entendimento e atenção a essa fase da vida, é possível que esse grupo tenham mais acesso a um cuidado especializado", explica a psicóloga e fellow em psicogerontologia pelo Programa de Extensão em Psiquiatria e Psicologia de Idosos/UFMG, Amanda Pelinson Gomes Tiago.

Ela aponta que o envelhecimento saudável é algo que se conquista no decorrer dos anos e tem relação direta com nossa saúde física e mental. "Quando a pessoa se mantém conectada à atividades significativas, isso acaba tendo um efeito global no seu bem-estar", pontua.

Autoaceitação

Para Thiago Henrique Ferreira Vasconcellos, psicólogo clínico e hospitalar, acompanhante terapêutico, doutorando em gerontologia pela UNICAMP e mestre em psicologia pela UFMG), a autoaceitação é outro fator fundamental no processo de envelhecimento.

"É uma das características principais para uma boa velhice. Se refere a capacidade de ter atitudes positivas em relação a si mesmo e a vida", opina.

Porém, como é possível se encontrar motivação interna para essa nova fase da vida e seus desafios?

"Ter um propósito, assim como metas e objetivos a curto prazo que estejam dentro das possibilidades de realização são, sem dúvida, recursos que podem aumentar a qualidade de vida dos mais velhos", sugere Thiago.

Amanda Pelinson, no entanto, alerta que é preciso, acima de tudo, saber lidar com um dos principais problemas nessa idade, o chamado preconceito etário. Também conhecido como etarismo, idadismo ou ageísmo, esse sentimento hostil é um dos maiores riscos para a saúde mental na terceira idade.

"Discriminação sobre o envelhecimento costuma limitar bastante os horizontes do indivíduo, que em muitos casos pode já estar lidando com outras dificuldades no seu dia a dia", observa a especialista.

"Por isso, é essencial estar atento ao efeito que a própria percepção sobre 'ser idoso' está tendo em sua motivação para se envolver com projetos pessoais – e questionar esses preconceitos pode fazer toda a diferença", frisa.

Rodrigo Caetano Arantes lembra que assim como em qualquer outra fase, a maturidade também tem ganhos, e que é possível se contemplar essa etapa como uma chance para sermos felizes.

"Muitas coisas boas são vislumbradas na velhice. Por isso é bom ter uma história de vida que leve em consideração suas experiências. Outro fator crucial é ter contato com as pessoas amadas ao seu redor, como os netos e bisnetos. Tudo isso acaba sendo boas formas de se envelhecer ativamente", ilustra Rodrigo.

Ele argumenta ainda que, com a disposição correta, a velhice tem tudo para ser a melhor idade da nossa existência.

"E o mais belo é saber que sempre há tempo para se recomeçar", finaliza.