Saúde

Transtorno de ansiedade gera sintomas reais que não aparecem nos exames

Manifestações de distúrbios ansiosos podem motivar a suspeita de problemas cardíacos ou coronários

Por Da Redação
Publicado em 12 de setembro de 2023 | 06:30
 
 
Distúrbios de ansiedade geram sintomas que podem ser confundidos com outros acometimentos Foto: Antonio Guillem/iStock

“Eu estava muito nervoso com o vestibular. Era a minha terceira tentativa de entrar no curso de medicina, e eu tinha me dedicado muito aos estudos. Eu queria realizar esse sonho, mas sabia que a concorrência era enorme. Em meio a tudo isso, aconteceu que, em uma noite, acordei sentindo uma falta de ar terrível, que me deixou assustado. Acordei meus pais e corremos para o pronto-socorro. A gente temia que pudesse ser uma manifestação mais agressiva da Covid-19, pois eu tive um quadro de bronquite na infância. Mas, quando fiz os testes, eles deram negativo – o que me deixou aliviado e confuso”, relata o estudante Miguel Oliveira, 24, que, àquela altura, nem sequer imaginava o diagnóstico que receberia nos próximos dias. 

Na semana seguinte a esse primeiro episódio, o rapaz voltou a sofrer com uma angustiante sensação de sufocamento. “Eu estava estudando para uma prova simulada e de repente me senti sem ar. Eu achei que fosse um problema no pulmão, ou no coração. Então, voltei para a unidade médica e pedi para refazer os exames. Foi quando a médica me disse que o meu problema poderia ser, na verdade, consequência de um distúrbio de ansiedade”, recorda, dizendo que já naquele atendimento ouviu algumas explicações sobre o problema. “Ela me explicou que a ansiedade pode provocar sintomas físicos, como falta de ar, taquicardia, suor excessivo e tremores. Tudo batia com o que eu sentia. Ela também me perguntou se eu estava passando por algum estresse ou pressão, e eu contei sobre o vestibular.  Daí, ela disse que isso era uma situação muito comum, que eu não estava sozinho”, lembra, dizendo ter saído do consultório com a indicação de visitar profissionais da psicologia e psiquiatria – além de ter ficado um tanto surpreso com os impactos físicos que um distúrbio de ansiedade pode gerar. 

A história de Miguel não é representativa apenas da incidência de problemas ansiosos entre estudantes. Ela também é alegórica de como o diagnóstico desses transtornos nem sempre é fácil. “Na verdade, buscar um clínico geral ou um cardiologista é a regra dos transtornos de ansiedade, e não a exceção”, aponta o psiquiatra Bruno Brandão, que prossegue informando que, normalmente, o paciente chega na psiquiatria depois de já ter ido a um clínico ou a um cardiologista e de já ter feito vários exames, até que, finalmente, recebe a indicação para que procure um profissional da saúde mental. “E isso não é, necessariamente, ruim. Afinal, para que haja o diagnóstico de um transtorno de ansiedade, precisamos, de fato, descartar que o paciente não tem outra condição clínica. Um ataque de pânico, por exemplo, pode imitar 100% uma crise coronariana aguda ou um infarto agudo do miocárdio”, pondera. 

“O grande problema é quando há o retardo nesse diagnóstico, quando, antes de receber a indicação correta, o paciente vai passando por médicos de várias especialidades e repetindo exames diversas vezes. Cenário que é pior ainda se, mesmo passando por diferentes especialistas, esse paciente não acredita muito que aquilo ali é sintoma de um distúrbio ansioso”, assinala Brandão. Ele explica que esse atraso e, sobretudo, essa descrença, acabam comprometendo o tratamento, levando a pessoa ao que ele chama de “roda da ansiedade”. “O sujeito começa a sofrer com a ansiedade da ansiedade. Ou seja, ele fica ansioso por estar experimentando a ansiedade. Nesse caso, o paciente começa a criar toda uma narrativa mental de que ele está morrendo, de que ele está enfartando, de que o diagnóstico dele está errado, de que todos os médicos erraram. E isso, por si, leva ao aumento da intensidade do quadro ansioso”, assinala. 

As formas da ansiedade 

Bruno Brandão lembra que a ansiedade é um sentimento normal e adaptativo, que nos ajuda a lidar com situações de perigo ou estresse. No entanto, quando se torna excessiva, frequente e desproporcional aos estímulos, ela pode se tornar um transtorno que afeta o corpo e a mente. O psiquiatra explica que existem basicamente dois tipos de transtornos de ansiedade: os que se manifestam de forma aguda e intensa, como o transtorno do pânico, e os que se manifestam de forma crônica e menos intensa, como o transtorno de ansiedade generalizada e o transtorno obsessivo-compulsivo. 

O transtorno do pânico é caracterizado por crises repentinas de medo e terror, acompanhadas de sintomas físicos como palpitação, aperto no peito, nó na garganta, tremores, sensação de desmaio, sufocamento, respiração acelerada, sudorese e queimação. Esses sintomas podem imitar um ataque cardíaco ou um infarto, fazendo com que a pessoa pense que está morrendo ou enlouquecendo. 

O transtorno de ansiedade generalizada é caracterizado por uma preocupação excessiva e persistente com vários aspectos da vida, como trabalho, família, saúde, dinheiro etc. Essa preocupação causa sintomas físicos como tensão muscular, dores difusas pelo corpo, cansaço constante, dores de cabeça e no estômago. Já o transtorno obsessivo-compulsivo é caracterizado por pensamentos intrusivos e indesejados (obsessões) que geram ansiedade e comportamentos repetitivos ou rituais (compulsões) que visam aliviar essa ansiedade. Por exemplo, uma pessoa pode ter medo de se contaminar com germes e lavar as mãos várias vezes ao dia. 

Todos os tipos de ansiedade se manifestam não só com um componente mental ou cognitivo, mas também com um componente corporal. E, se não forem tratados a longo prazo, podem aumentar o risco de desenvolver outras doenças físicas, como hipertensão, infarto, acidente vascular cerebral (AVC), diabetes, gastrite, úlcera e enfermidades que levam à diminuição do sistema imunológico. “A ansiedade crônica pode predispor a pessoa a ser hipertensa, por exemplo, à medida que ela tende a ter uma ativação do sistema nervoso autônomo, envolvido na regulação da pressão, que tende a ficar cronicamente mais alta”, explica. 

Tratamento 

O tratamento dos transtornos de ansiedade envolve medicação e psicoterapia. A medicação auxilia na regulação dos neurotransmissores cerebrais envolvidos na ansiedade. A psicoterapia, por sua vez, ajuda a modificar os pensamentos e as crenças que alimentam a ansiedade. Além disso, técnicas de relaxamento, como o relaxamento muscular progressivo ou a respiração diafragmática, podem ajudar a reduzir os sintomas físicos da ansiedade.