FABRÍCIO CARPINEJAR

Eternas visitas

A aparência também é um termômetro da felicidade. Se surjo magro, o mineiro acha que estou triste

Por Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2019 | 03:00
 
 
Acir Galvão

Ainda não descobri se mineiro gosta mais de receber visita ou de comer.

Os dois acontecem juntos. Não há como diferenciar.

Talvez a visita seja o pretexto para não parar de comer. Para continuar comendo infinitamente.

Você não deixa ninguém ir embora para permanecer se deliciando com os lanches sem nenhuma fiscalização.

No papel de anfitrião, engano a dieta, desfruto do luxo de ultrapassar os limites. É uma trégua da balança.

Desacompanhado, vem a culpa por inchar. Acompanhado, a culpa vira gentileza. É falta de educação não provar daquilo que acabou de servir na mesa.

Minha esposa, quando recebemos alguém, jamais vai reclamar que estou exagerando. Com a casa vazia, não tenho nem como amassar pão de queijo sem me justificar.

É uma mudança total de mentalidade, a suspensão das leis de racionamento.

O amigo ou o parente aparece de manhã e dificilmente sairá antes do entardecer.

Encontro rapidinho não existe em Minas. Prepare-se para maratona gastronômica. Almoço é emendado na sobremesa, que é emendada no café da tarde, que é emendado no jantar, que é emendado no doce novamente.

Qualquer mínima refeição já se torna Kerb, quermesse, festa junina. De uma fofoca a um torresmo, vive-se um transe em que o relógio entorta os seus ponteiros.

A formalidade vai sendo desmanchada pouco a pouco em nome da intimidade.

A conversa começa na sala, depois se espalha pela varanda até que enxergamos que todos estão na cozinha, esperando algo ser aquecido. O fogão une mais do que a televisão.

A praia mineira é dentro do lar, com direito a galinha e farofada. O barulho das águas é das crianças correndo e brincando pelos corredores.

A aparência também é um termômetro da felicidade. Se surjo magro, o mineiro acha que estou triste. Se apresento uma barriguinha avantajada, acredita que o casamento anda bem e logo teremos um bebê. Como se o bebê viesse da minha barriga. A gestação começa culturalmente no homem.

Não há nem como contestar os costumes. A magreza é mórbida, o sobrepeso é festivo. Nas fotos, em vez de encolher o abdômen, relaxo para ostentar uma almofada de colo. Assim sou mais aceito pelas bandas de cá.

O que explica ainda o acúmulo de geladeiras. O povo coleciona geladeiras. Tem, no mínimo, dois refrigeradores. O antigo não é despachado, fica estacionado na lavanderia ou na área de serviço.

As pessoas são boêmias da residência. Raciocinam que podem precisar para gelar cerveja ou congelar alimentos. Não dispensam uma retaguarda, um engradado, uma provisão de ovos. A geladeira pode ser entendida como uma extensão ancestral do alforje dos tropeiros.

No princípio do casamento, eu estranhei quando a minha mulher, belo-horizontina, dizia que a família viria dar uma passadinha em nosso apartamento. Eles chegavam às 11h e deixavam o edifício às 23h. Doze horas ininterruptas de comilança. Não paravam de falar e de comer, ambas as operações transcorriam simultaneamente.

Muito diferente daquilo que me acostumei nos mais diversos Estados, em que os encontros jamais extrapolavam um turno definido.

A manhã ensolarada desliza para a brisa da tarde e logo pula para o vento serrano da noite. As estrelas aparecem de repente, surpreendendo a roda de conversa (isso quando não desponta um violão para avançar na madrugada). Já é a hora de emprestar casaquinhos e pulôveres aos mais friorentos.

Abrir a porta para o outro corresponde a tirar o dia para a tarefa, nem pense em fazer alguma atividade ou se revezar com um novo compromisso.

Não sei de onde cavam tanto assunto, tampouco desconheço de onde tiram tanta comida. O rancho da semana termina em um dia.

Eu engordei 7 kg desde que me mudei para BH. Venham nos visitar, nunca fui tão livre.