Existe um poltergeist mineiro em minha casa. Um evento sobrenatural. A diferença é que, em vez de “buuu”, o fantasma faz “nuuu”.
É uma assombração mental, intelectual, nada física, nada palpável.
É que a minha esposa sempre diz, quando algo dá errado em minha vida, que ela me avisou.
Busco revisar na memória a sua fala de advertência, o momento em que ela me alertou do perigo, e não encontro. Não me recordo de nenhuma conversa de censura.
Mas Beatriz insiste em parar em minha frente diante de algum desencanto com amigo ou negócio e declarar: “eu avisei!”.
O mineiro deve avisar telepaticamente. É um aviso por dentro. Um aviso mudo. Um aviso talvez por sobrancelhas, por olhos virados, por esgar, por pigarro, por tosse.
Não fixo o vaticínio. Não registro mesmo. Imagino que seja a sua postura, a sua linguagem corporal, a hora em que vira as costas no meio do diálogo.
O que me leva a crer que, ao mergulhar no silêncio, ao deixar de opinar, ele sabe que coisa boa não vem. Ele pressente o caos com a sua quietude casmurra.
Não quer se meter, não quer ser agourento, então avisa pelas lacunas, pelos lapsos, pelo corte abrupto de sua presença.
É um cinema mudo. Preciso aprender a ler as entrelinhas.
Quando ele larga o assunto, já começa a profecia trágica.
Minha esposa não para de falar. Se ela cessa os seus comentários de repente, teria que identificar que houve um desaconselhamento. Está me dissuadindo implicitamente.
Ao organizar a mala para a nossa viagem para o Uruguai, lembro que ela ficou perplexa que recorri a uma módica mochila de costas.
Destacou que cai a temperatura de noite, que dependia de um pulôver, de uma malha, que não suportaria a mudança do tempo com bermudas e camisas de verão.
Identificando o meu orgulho gaudério, a minha vontade soberana de não carregar peso no aeroporto, de ser livre e solto, de não arrastar cargas pela cidade, de não pagar mensageiro no hotel, ela apenas suspirou, irritada: “Você que sabe, você já tem uma mãe”.
Foi aí, neste instante, que ela me avisou e não percebi antes. Sou dependente de frases feitas, de prints, de provas. Se ela larga o nosso relacionamento sem nenhum bilhete ou mensagem, sou capaz de esperar por dias o seu retorno como se nada tivesse acontecido. Nem estranharei os cabides vazios, acredito unicamente naquilo que é dito.
Não é assim que funciona em Minas. O silêncio é maior do que as palavras.
“Você que sabe” é o precursor do “eu avisei”. Têm uma conexão emocional entre eles. Uma desistência em comum.
Mineiro não compra briga de frente, seu conflito é parcelado, internalizado. Guarda para si as consequências. Não perde tempo descrevendo, didaticamente, o Apocalipse de João. Se quiser ler, procure na Bíblia.
Quando gosta de uma situação, participa. Quando não gosta, abandona a causa.
Em Punta del Este, ela nem me ofereceu o consolo de um abraço nas madrugadas de ventania. Ela só me empurrava para o lado: “eu avisei”.