Eu recebi a notícia de um prêmio literário. Avisei Beatriz gritando e pulando. Ela me encarou, séria, interrompendo a corrente de eletricidade em meu corpo: temos que comemorar.
Logo pensei em algum restaurante, num brinde com cálices de cristal, num vinho bom, num banquete de noite.
Mas vi ela arrumando a bolsa, colocando o tênis, pegando o boné, a máscara e enchendo uma mochila com aquilo que via pela frente.
- Onde você vai?, perguntei.
- Comemorar, uai - ela respondeu.
E me puxou pela mão, entramos no carro e ela me levou para a Praça do Papa, que estava deserta no início de manhã de um dia útil.
Ela estendeu um cobertor e deitamos na grama, com Belo Horizonte crepitando ao fundo. O azul apresentava textura de guache.
Ficamos mirando o céu, o formato das nuvens, os círculos dos pássaros, de mãos dadas. Como crianças tontas depois de rodopiar em ciranda.
Não havia nem pipoqueira, nem vendedores de coco e algodão doce. Nem cachorros correndo e dando pinotes para alegria de seus donos.
Experimentávamos o silêncio majestoso dos ipês em flor.
Eu não entendia o propósito da saída repentina para um lugar vazio. Não contei nem com uma brecha para repassar a notícia para a família e amigos.
Comentei que a nossa atitude soava como uma maluquice, que deixamos trabalho e demandas a cumprir, abandonamos tudo bagunçado: a cama desfeita e a louça do café na mesa.
Ela me explicou: “não temos tempo nunca de comemorar as vitórias, daí elas são esquecidas. Se esperamos anoitecer, já somos uma outra pessoa”.
De acordo com a sua teoria mineira, devíamos combater a pressa que traz a amnésia, a mecânica do descarte da velocidade dos fatos, de um evento que substitui o anterior, e não permite a fixação do contentamento.
Ela congelava o tempo, respeitando o exato instante do nosso arrebatamento, não fazendo nada, curtindo a saliva na boca, saboreando a luz no rosto.
Hora de não falar do futuro, de não planejar os próximos meses, de não controlar os compromissos, apenas de agradecer.
Nosso único trabalho se resumia a enxaguar o suor da testa e rir da nossa inesperada fuga para um parque.
Começou a fazer muito sentido abrir uma página em branco na rotina para guardar uma lembrança. Um papel-vegetal protegia a fotografia como nos antigos álbuns.
Serenamos ali por quarenta minutos, mudos, reprisando a vida, baixando o ritmo da ansiedade, encaixotando as ideias.
Foi quando observamos formigas com asas pulando em nossas pernas.
- Tão estranho uma formiga com asas - ela apontou. Parece que ela conseguiu o impossível. As formigas são operárias e, de repente, pela disciplina, conseguem voar. Será uma recompensa?
- É o amor, Beatriz. O amor oferece isso. A formiga de asa significa o voo nupcial, o voo de acasalamento, de rainhas recém-formadas e de machos.
Naquela manhãzinha, éramos formigas com asas. Por um momento, voávamos sobre as dificuldades do mundo híbrido.
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