FABRÍCIO CARPINEJAR

Logo ali

Se restringisse ao tempo que falta, não a distância, ele seria mais prático: são duas horas, três horas, quatro horas de percurso. Mas como questionou a distância, ele não mentiu

Por Da Redação
Publicado em 16 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
Acir Galvão

A última vez que um mineiro me disse que era logo ali eu caminhei dez quilômetros. Atravessei um rio, uma BR e uma cidade inteira. Foi o “logo ali” mais a perder de vista da minha vida, parando num outro município.
 
Não pense que o mineiro se diverte aconselhando a localização sempre próxima. Não está fazendo uma piada ou rindo de sua cara. Não é zoeira para se deliciar em segredo com o seu suor e cansaço. Não tem sentido debochar do sofrimento alheio. Até porque tem consciência de que pode encontrá-lo de novo entre tantas voltas do acaso. Não se submeteria ao constrangimento de revê-lo sem nenhum pingo de razão. Não colocaria a sua reputação de conhecedor das redondezas em risco. Todo mineiro se orgulha de guardar o seu pedaço de chão na palma da mão. 
 
Em primeiro lugar, ele quer avisá-lo de que está no caminho certo. Reforça a sua esperança de chegar, um dia chegar. Torna-se quase um incentivo para não desistir. Sopra as asas de seu anjo da guarda e renova o seu fôlego.
 
Caso falasse a distância exata, com a ciência de um GPS, você era bem capaz de dar a meia-volta e desistir. Então, realiza um favor em nome da resiliência. O delay traz o benefício de salvar a sua viagem. 
 
Não é justo culpar o mineiro pela maratona, o erro é de quem perguntou, jamais de quem respondeu. Se restringisse ao tempo que falta, não a distância, ele seria mais prático: são duas horas, três horas, quatro horas de percurso. Mas como questionou a distância, ele não mentiu. 
 
Ele também somente indica o que poderia cumprir. Expõe a sua experiência própria com o caminho, de quem passou pela mesma situação. Demonstra já ter enfrentado a igual dúvida e alcançado aquele endereço. Já esteve lá no cafundó do Judas e voltou ileso. 
 
Mineiro não é preguiçoso, para temer qualquer destino. Parte da ideia de que você é como ele, teimoso, com a valentia dos cadarços bem amarrados. Não o subestima achando que é pior e mais fraco.
 
Há também uma preocupação de propor assistência completa, melhor do que um posto de gasolina. Não carece tampouco de educação e da proteção hospitaleira. Oferecerá um copo de água gelada para hidratar a fé e, na hipótese de chuva, o seu teto para esperar a tormenta acalmar. Não o deixará andar desprevenido, presa fácil dos relâmpagos. 
 
Em segundo, ele acredita mesmo no poder da pernada, no fortalecimento espiritual da romaria, que nada é longe de verdade. Guarda a ideia antiga de grande aldeia, de que tudo está ao alcance do raio de sua visão. O que é conhecido é perto. A intimidade assim cria a realidade. 
 
Fornece ainda um testemunho de que o paradeiro desejado existe. O que significa que não vem alucinando ou procurando algo à toa. Não é uma miragem no deserto. 
 
Ele age com pureza informativa, dotado de uma grande dose de altruísmo, em muitos momentos incompreendida e confundida com má-criação. Procura ajudar sinceramente usando as informações que tem. Prefere ajudar com uma informação errada a não ajudar. 
Perigoso mesmo quando o mineiro confessa que não sabe onde fica, o “sei não” é um tanto assustador, daí o local pretendido deve ser fora de Minas.
 
Assista ao vídeo da semana:
 

"A última vez que um mineiro me disse que era logo ali eu caminhei 10 km. Atravessei um rio, uma BR e uma cidade inteira. Foi o “logo ali” mais a perder de vista da minha vida, parando num outro município." Divirta-se com a coluna do poeta @CARPINEJAR: https://t.co/kjFTd6bSFF pic.twitter.com/5S5lPurhAd

— O Tempo (@otempo) February 16, 2020