FABRÍCIO CARPINEJAR

Lojinha da saudade

Ninguém chega na casa alheia com mãos abanando. Ainda que seja visita curta de médico. É falta de gentileza

Por Da Redação
Publicado em 28 de julho de 2019 | 03:00
 
 
Acir

Mineiro deseja ser lembrado. Mineiro nasceu para ser inesquecível. 

Amor e saudade são sinônimos. 

O que mais revolta o mineiro é ser esquecido. A indiferença é o pior castigo. Pode até falar mal dele, mas nunca o renegue para o desprezo. Pode até criticá-lo, mas nunca deixe de pensar nele. 

Mineiro é estribilho da falta. Como se estivéssemos dentro de uma canção sertaneja de raiz. De uma toada do violeiro Renato Andrade. 

Ele não suporta a ausência de notícias. Mais do que isso: não perdoa. Pais admitem que filho estude ou trabalhe longe, desde que sempre falem o que estão realizando e abasteçam a nostalgia com fotos e telefonemas, desde que não estraguem o sotaque, desde que mantenham a alma por perto.

Dificilmente encontraremos um Estado com tantos museus, que aprecie tanto o gesto de evocar e zelar o que foi vivido. Em Minas, inclusive o futuro mais recente vira passado e suspiro.

O tempo é quase uma pessoa que se cumprimenta e se abraça. 

As cartas não são somente de papel, mas de pano.

Tudo dentro de casa é correspondência trocada com quem se ama, tudo é testamento de uma amizade, sudário de uma demonstração de carinho. A toalha de mesa, os guardanapos, os panos de prato formam presentes de amigos e parentes. Para que a pessoa lembre da homenagem na hora de usar, porque viver é também recordar.

Um dos exemplos mais enternecidos do cuidado do mineiro com a nostalgia é o hábito de levar uma lembrança quando faz uma visita. Ninguém chega na casa alheia com mãos abanando. Ainda que seja visita curta de médico. É falta de gentileza.

Minha mulher, Beatriz, costuma comprar presentinhos com antecedência, sem nenhum destinatário específico, e põe numa caixinha transparente no armário, no aguardo das oportunidades e dos convites. Condiciona enfeites, adereços e bibelôs para dar quando se encontrar com algum conhecido. Em nenhum momento, o estoque está zerado. 

É uma lojinha da saudade dentro da nossa residência. Quem começou com a mania foi a sogra Clara, já falecida. Temos etiquetas, fitas e sacolas numa gaveta. Somos craques no ato do embrulho. Rasgamos o durex com os dentes. Armamos dobras com o requinte dos empacotadores mais experientes.

O que a minha mulher não aceita é ingratidão.

Mineiro não tolera ingratidão. 

Se somos recebidos no lar de alguém, o mínimo a ser feito é agradecer a hospitalidade com uma lembrancinha. Uma singela retribuição por nos abrir a confiança da família. 

Assim como os japoneses tiram os sapatos na entrada de uma outra casa, aqui se oferece um souvenir. Há quem prefira trazer um doce ou uma goiabada ou um queijo. Há quem opte por um vinho ou uma cachaça. Importante é exercitar a véspera do bem querer. 

Tanto que aquele que recebe jamais diz: não precisava. Não existe encontro sem um símbolo da saudação, sem a troca de gentilezas. Pois é uma tradição bater na porta tocando antes na aldrava do coração.

Todo dia em Minas Gerais é festa de aniversário da amizade. Ninguém se satisfaz em comemorar em apenas um dia por ano.