A vizinhança é a base do bem-estar. Um só vizinho pode estragar a sua vida num lugar ótimo. Um só! É aquela história da fruta podre ao lado das sadias no cesto.
Ou implicando com o jeito que estaciona nas linhas amarelas ou controlando o volume do seu som ou incomodado com a circulação de suas visitas ou questionando algum hábito de sua parte como andar de saltos pela sala antes de sair a uma festa.
Se ele não for com a sua cara, qualquer banalidade é motivo de denúncia. Ou porque molha as plantas na varanda e escorre um pouco de água para baixo ou porque esqueceu de ativar o alarme no prédio ou porque o seu ar-condicionado pinga indevidamente e precisa de uma mangueira. Não poderá nem mais assobiar livremente. Vai se sentir controlado, vigiado, com fobia de entrar no elevador e esbarrar com a casmurrice.
Uma única pessoa ranzinza pode transformar a sua cobiçada harmonia num inferno. Haverá sempre um opositor à espreita no olho mágico.
Não terá a mesma espontaneidade para circular. Se protestar, aumentará a perseguição. Ao se calar, o outro lado vai se sentir poderoso e cheio de razão.
Trata-se mesmo de sarna para se coçar, encosto, possessão.
A infelicidade é contagiosa. A reunião de condomínio será um tribunal da Inquisição da Idade Média. Prepare-se para a fogueira das vaidades.
Antes de confirmar um negócio, amigo daqui apareceu no apê pretendido, de surpresa, em três turnos diferentes durante a semana, afora uma escapulida no sábado de noite. Seu objetivo era fugir do planejamento dos corretores, que costumam escolher os períodos de maior tranquilidade para facilitar a transação. Como gosta de paz, investigou a portaria, a frequência do salão de festas e o barulho da piscina e da quadra esportiva.
Uma das estratégias que os mineiros adotam para alugar um apartamento é conferir os avisos do condomínio nos elevadores e nas áreas em comum. Há sempre um vazamento de conflito, a exposição de um desentendimento. Já tem como antever a natureza litigiosa de quem reside ali. Serve de profecia para futuros atritos.
Em sondagem de imóvel, a minha esposa leu um recado:
“Peço aos condôminos não deixarem mais lixo nos corredores.”
Desistimos na hora da visita, não importando o custo-benefício, a qualidade das instalações e a vista exuberante da cidade. Teríamos que lidar com o odor desagradável perto da porta. Ficamos com medo de conviver com um chiqueiro.
Num segundo conjunto residencial, havia uma advertência sobre carros arranhados na garagem. Demos meia-volta. Só o que faltava contar com estranhas e passionais represálias.
Num terceiro, alguém reclamava de pontas de cigarros jogadas do alto. Não queríamos essa chuva indesejada de brasas em nossas cabeças.
Escolher um canto para viver depende da teia de cordialidade entre os moradores e do respeito coletivo às regras. O mural não deixa de ser para nós uma caixinha de vidro para ser acionada na hipótese de incêndio.
As más companhias moram nos detalhes.