Ao deixar a sede da Polícia Federal (PF) na noite desta quinta-feira (2), o senador Marcos do Val (Podemos-ES) voltou a dizer que quem planejava e articulava uma tentativa de golpe era o ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Ele isentou de culpa o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas confirmou novamente a existência da reunião, no Palácio da Alvorada, em que foi discutida a possibilidade de reverter o resultado do pleito que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prender o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e manter o antigo presidente no poder.

No depoimento, ele disse ter sido questionado se tinha conhecimento da existência de documentos como uma minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que previa a adoção de uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para invalidar o resultado da eleição e manter Jair Bolsonaro no cargo. Anderson Torres também depôs nesta terça-feira e falou por quase 11 horas à PF.

"Essa (sobre a minuta) foi uma pergunta também que os delegados aqui fizeram. Não, não tive nenhum acesso. Nunca escutei nada sobre isso. E até coloquei pra ele a questão até do dia 8. Eu fiz um acompanhamento dia a dia até chegar o dia 8, foi o dia das invasões, depredações, porque eu queria também passar pra ele o que que a inteligência estava passando pra gente e se tinha o envolvimento de alguém, algum nome envolvido com questões do bolsonarismo ou o Bolsonaro ou o filho. E não tem nada disso. Aí eu disse isso pra ele: 'Vocês podem requerer esse documento para a Abin', que a Abin pode entregar pra eles. Eu não posso tornar público, está em sigilo mas não tem envolvimento nenhum dos Bolsonaros", afirmou Marcos do Val.

Na entrevista ao deixar a PF, o político ainda ressaltou que Bolsonaro falou apenas uma vez durante a reunião com a presença dele e de Silveira. Segundo o parlamentar, após ele dizer que precisava de dois dias para responder à proposta de ser usado para grampear Moraes, o então presidente afirmou: "Tá bom, nós aguardamos". Mesmo assim, o senador alega que não quer tirar conclusões sobre o que Bolsonaro quis dizer com isso.

Marcos do Val disse que foi ouvido como testemunha e, por isso, não teve que deixar seu celular, mas afirmou que deu acesso ao aparelho e às conversas, e que detalhou o contato com Silveira: 

“Dei acesso as conversas dentro do WhatsApp porque para mim quanto mais claro, mais transparente, melhor. E dali foi feito um histórico sobre como o deputado Daniel (Silveira) me contatou”.

Desde a madrugada de quarta-feira, Marcos do Val apresentou várias versões sobre o episódio. Em uma live com integrantes do MBL, ele afirmou que foi Bolsonaro quem o coagiu a "dar um golpe junto com ele" e disse que esse conteúdo seria divulgado pela revista "Veja" na sexta-feira (3). Após a fala do senador, a publicação divulgou o material nesta quinta-feira (2). Em áudio gravado e exibido pela revista, Marcos do Val diz claramente, ao ser perguntado se Bolsonaro foi quem falou sobre a ideia de uma gravação ilegal de uma conversa de Moraes:

"Disse, sim. Que o GSI ia me dar o equipamento para poder montar para gravar. Aí eu falei assim, quando eu falei que ‘mas não vai ser aceito’. ‘Não, o GSI já tá avisado’. Quer dizer, já tinha validado a fala comigo. ‘Eles vão te equipar, botar o equipamento de escuta, de gravação e a sua missão é marcar com o Alexandre e conduzir o assunto até a hora que ele falar que ele, que ele avançou, extrapolou a Constituição, alguma coisa nesse sentido.’ Aí ele falou ‘ó, eu derrubo, eu anulo a eleição, o Lula não toma posse, eu continuo na Presidência e prendo o Alexandre de Moraes por conta da fala dele, que ele teria’.

O áudio foi disponibilizado pela revista em razão de Marcos do Val ter mudado sua versão ao longo do dia, quando passou a culpar Daniel Silveira pelo episódio. Ele passou a dizer que o ex-deputado federal, preso nesta quinta-feira pela Polícia Federal, foi quem fez a proposta e que Bolsonaro apenas assentiu com a cabeça ou, como na última versão, apenas falou, no final, que aguardava uma posição dele. A mudança nas versões e a pressão dos aliados foi o que fez a PF apressar o depoimento do senador.

Marcos do Val reforçou que o encontro foi no Palácio da Alvorada. Nas primeiras versões, ele chegou a dizer que havia sido na Granja do Torto, onde morava o ministro Paulo Guedes, mas afirmou ter feito confusão por não conhecer a residência oficial do presidente. Também disse que foi levado ao local em um carro da Presidência da República, mas que não seria o veículo principal de Bolsonaro na época. E também rechaçou que tenha ouvido sobre a participação do GSI ou da Abin no episódio. Segundo ele, a citação ao GSI em uma versão anterior teria sido pois ele "deduziu" isso ao ouvir a palavra "inteligência". Por fim, Marcos do Val apontou irritação com os ataques de bolsonaristas para dizer que exagerou nas primeiras declarações sobre o episódio ainda nebuloso.

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