José "Pepe" Mujica, morto aos 89 anos nesta terça-feira (13/5) após meses de tratamento contra um câncer de esôfago, começou a se tornar uma figura política de alcance global quando, em 2010, tomou posse como presidente do Uruguai. Ele nunca deixou de cultivar seu estilo de vida simples, mesmo já com projeção internacional. Veio de uma família de pequenos proprietários agrícolas nos arredores de Montevidéu.

Quando presidente, recusou-se a morar na bela residência oficial, o palacete Suárez y Reyes. Preferiu continuar em seu sítio, em Rincón del Cerro, onde gostava de cuidar da terra, dirigindo trator até o fim da vida. Nas vezes em que precisava ir à capital, usava seu indefectível Fusca azul, no qual Lula pegou uma carona durante visita em 2023.

Durante a presidência, dava trabalho a seus seguranças por ignorar os protocolos. Era comum vê-lo saindo para passear sem escolta para comer churrasco ou tomar um sorvete com sua mulher, Lucía Topolansky, 80, em restaurantes baratos. Doava dois terços de seu salário a um projeto de moradias populares.

A militância política começou como estudante, quando passou a integrar a juventude que apoiava o partido Nacional (Blanco), tradicional agrupação nascida para defender os direitos do campo. Jamais foi uma sigla de esquerda, mas continha, como até hoje, uma corrente progressista.

Com os anos, Mujica deixou de se identificar com a bandeira do partido e foi construindo seu perfil de esquerda, por meio de leituras marxistas e anarquistas. Nos anos 1960, uniu-se ao Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros (MLN-T), uma das tantas guerrilhas sul-americanas criadas no esteio da Revolução Cubana de 1959.

Os Tupamaros reuniam socialistas, maoístas, anarquistas e comunistas. Surgiram como um grupo de resistência, mas ainda durante o período democrático. Mujica e os outros guerrilheiros que se projetaram na política fizeram uma espécie de pacto de silêncio sobre o período, mas biógrafos confirmam a participação dele em assaltos, por exemplo, para financiar o movimento. Ele também teria estado presente quando os Tupamaros tomaram a cidade de Pando, em 1969, e enfrentaram a tiros as forças de segurança. Não há relatos de que tenha se envolvido em sequestros ou assassinatos.

Uma passagem marcante dessa época ocorreu quando Mujica e um grupo de Tupamaros escapou duas vezes, por meio de túneis, da antiga prisão de Punta Carretas, onde hoje está o principal shopping center de Montevidéu.

Os Tupamaros foram um grupo guerrilheiro uruguaio de esquerda que atuou principalmente nas décadas de 1960 e 1970. O nome "Tupamaros" vem do líder rebelde indígena peruano Tupac Amaru II, que liderou uma revolta contra os espanhóis no século XVIII. O grupo foi fundado em 1962 por Raúl Sendic, advogado e procurador e militante do Partido Socialista do Uruguai, e outros militantes de esquerda, com o objetivo de combater a ditadura militar e a desigualdade social no Uruguai. Os Tupamaros eram conhecidos por suas ações de guerrilha urbana, incluindo sequestros, assaltos a bancos e ataques a alvos militares.

No entanto, o grupo também foi criticado por suas ações violentas e autoritárias, e muitos de seus membros foram presos ou exilados durante a ditadura militar no Uruguai (1973-1985), entre eles, Mujica. Hoje em dia, o termo "Tupamaro" pode se referir a qualquer pessoa ou grupo que adote uma postura radical ou revolucionária, especialmente na América Latina.

Mujica foi preso quatro vezes, viveu seu cárcere mais longo a partir de 1972, durante a gestão de Juan María Bordaberry (1928-2011), um civil que implementaria uma ditadura militar no ano seguinte. Mujica passou por tortura, maus-tratos, isolamento, num pesadelo que só terminou com o fim do regime, em 1985. Nem ele nem seus companheiros jamais foram julgados.

Com a redemocratização, os antigos guerrilheiros abandonaram a luta armada e ingressaram no jogo político pelo voto. Os Tupamaros se aliaram à coalizão Frente Ampla, que reunia partidos progressistas. Fora da prisão, Mujica mudou-se para Rincón del Cerro, onde enfim passou a viver com sua companheira de luta, Lucía, que também ficou presa por longo tempo e era dos tupamaros. O casal não teve filhos.

Na Frente Ampla, ajudou a criar o MPP (Movimento de Participação Popular), atualmente a força com mais congressistas dentro da aliança. Em 1995, foi eleito deputado. Dez anos depois, o socialista Tabaré Vázquez (1940-2020) se tornaria o primeiro presidente vindo da coalizão de esquerda - e voltaria para um segundo mandato de 2015 a 2020, sucedendo Mujica, que ficou no poder entre 2010 e 2015.