Imagens da Faixa de Gaza que mostram crianças esqueléticas e seus pais desesperados em busca de comida, com panelas vazias nas mãos, têm circulado em todo o mundo, o que vem aumentando a pressão sobre Israel no conflito que já devastou boa parte do território palestino e matou milhares de pessoas.
Diante da tragédia humanitária e indignação cada vez maior, e após uma enxurrada de críticas e apelos por mais ajuda, o governo israelense decidiu no último domingo (27) flexibilizar algumas das restrições ao fornecimento e distribuição de mantimentos no território.
A ONU compara a crise humanitária na Faixa de Gaza às grandes fomes do século XX, como as da Etiópia e de Biafra, na Nigéria, que causaram comoção mundial.
Leia o que se sabe a seguir sobre a fome no local e a tragédia humana:
O QUE ESTÁ CAUSANDO FOME EM GAZA?
A fome na Faixa de Gaza aumentou após o início da guerra, em 7 de outubro de 2023, quando o grupo terrorista Hamas fez um mega-atentado contra Israel. Em resposta, as forças israelenses fazem ataques diários contra o território palestino. Também impuseram uma série de restrições à entrada de ajuda humanitária sob o argumento, não comprovado, de que integrantes do Hamas desviam os mantimentos.
Mas a crise atingiu um patamar inédito em março, quando Israel suspendeu completamente o envio de comida após romper um cessar-fogo. O bloqueio total durou 11 semanas e, segundo organizações que atuam com direitos humanos, esvaziou estoques e fez a fome atingir níveis sem precedentes. A entrega e distribuição de ajuda, por sua vez, foram retomadas apenas de forma parcial.
O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas divulgou, na semana passada, que quase um terço da população de Gaza ficou sem comer por vários dias consecutivos. Já projeção da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar, iniciativa apoiada pela ONU, apontou que todos os 2,3 milhões de habitantes no território estão em risco de insegurança alimentar, sendo que ao menos 470 mil sofrem com "níveis catastróficos" de fome.
População de Gaza passa fome e embardo de Israel impede entrada de alimentos - Foto: BASHAR TALEB / AFP
QUANTAS PESSOAS JÁ MORRERAM DE FOME EM GAZA?
O número de mortos na guerra que se desenrola na Faixa de Gaza há quase 22 meses chegou a 60.034 nesta terça-feira (29), segundo o Ministério da Saúde do território palestino, controlado pelo Hamas, enquanto os feridos pelo conflito somam 145.870.
A pasta, que não diferencia combatentes e civis, calcula que cerca de 30% dos mortos sejam crianças e 16%, mulheres. Embora a ONU use os números em seus balanços, verificações independentes sobre relatos de Gaza em geral são impossibilitados pelo bloqueio que Israel impõe à imprensa internacional no território.
Os números são incertos e contestados, já que a maioria da infraestrutura, incluindo hospitais, foi destruída em Gaza, e Israel impede a entrada de jornalistas no território, o que limita o acesso às informações. Nesse cenário, a principal fonte para os balanços de óbitos é o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas.
Segundo a pasta, dezenas de habitantes morreram de desnutrição nas últimas semanas. Ainda conforme o ministério, no total, desde o começo da guerra, 127 óbitos foram registrados nessas condições, incluindo de 85 crianças.
A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, alertou no domingo que a fome está atingindo "níveis alarmantes", com um "pico de mortes em julho". Segundo a organização, das 74 mortes relacionadas à desnutrição registradas somente em 2025, 63 ocorreram neste mês, incluindo de 24 crianças com menos de cinco anos, uma criança com mais de cinco anos e 38 adultos.
O QUE ISRAEL DIZ SOBRE A FOME EM GAZA?
O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, disse no domingo que a acusação de que Tel Aviv levou Gaza a uma situação de fome era "uma mentira descarada". "Não há política de fome em Gaza, e não há fome em Gaza", afirmou. Netanyahu também afirmou que as forças israelenses possibilitaram a entrada da quantidade exigida pelo direito internacional de ajuda humanitária e voltou a acusar o Hamas de roubar suprimentos.
O grupo terrorista nega a acusação, e um relatório produzido em junho pela Usaid, a agência de ajuda externa americana, constatou que não há provas de roubo sistemático de comida pela facção.
O QUE ESTÁ ACONTECENDO NOS NOVOS LOCAIS DE DISTRIBUIÇÃO DE AJUDA?
Quando suspendeu, em maio, o bloqueio à entrada de suprimentos após 11 semanas, Israel também mudou a forma como a maior parte dos alimentos é distribuída. Antes de março, a distribuição era feita em centenas de pontos em Gaza, em um sistema supervisionado pelas Nações Unidas. Desde o final de maio, a distribuição tem sido feita apenas em quatro locais - quantidade considerada insuficiente para a escassez no território - administrados por uma organização controversa chamada Fundação Humanitária de Gaza (FHG).
Para parte dos palestinos em Gaza, esses quatro locais só podem ser alcançados após quilômetros de caminhadas em áreas de conflito, o que torna a busca por alimentos uma atividade perigosa. Na semana passada, o Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos afirmou que o Exército de Israel matou pelo menos 410 palestinos que tentavam conseguir comida nos centros de ajuda.
Para chegar aos quatro locais antes que a comida acabe, multidões de palestinos partiram à noite e de forma caótica. Segundo testemunhas mencionadas pelo The New York Times, às vezes as pessoas saíram da rota designada e, em resposta à agitação, soldados israelenses fizeram disparos. O Exército israelense disse ter disparado "tiros de advertência" quando as pessoas se aproximaram de seus militares.
O QUE É A FUNDAÇÃO HUMANITÁRIA DE GAZA?
A FHG é uma organização que distribui comida no território palestino apoiada por Israel e pelos Estados Unidos, mas criticada por organizações que atuam com direitos humanos. Funcionários da ONU dizem que a fundação apenas fomenta a realocação forçada de palestinos e mais violência, já que apenas quatro pontos para distribuição de ajuda foram instalados no sul de Gaza.
Além disso, segundo autoridades israelenses, a fundação pretende verificar se as famílias atendidas têm envolvimento com o Hamas antes de distribuir a comida. Resoluções da Assembleia-Geral da ONU, no entanto, determinam que a ajuda deve se guiar apenas pela necessidade das pessoas afetadas, sem qualquer distinção religiosa, política ou ideológica, e deve ser supervisionada por uma parte neutra.
A organização começou a distribuir alimentos no fim de maio, quando já enfrentava críticas a respeito de seus procedimentos. Às vésperas do início da operação, o próprio chefe da fundação naquele momento, Jake Wood, abandonou o cargo sob a justificativa de que a organização não conseguiria aderir aos "princípios humanitários de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência".
COMO A COMUNIDADE INTERNACIONAL TEM REAGIDO?
A crise humanitária aumentou a pressão que a comunidade internacional e organizações têm feito sobre Israel. Diversos líderes criticaram a fome e as mortes dos palestinos em Gaza e, na semana passada, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que seu país reconhecerá oficialmente o Estado da Palestina, tornando-se o primeiro integrante do G7 a tomar a decisão e aplicando a Tel Aviv seu maior revés diplomático desde o início da guerra.
Também na semana passada, mais de cem grupos, em sua maioria de assistência e direitos humanos, pediram que os governos tomem medidas contra a fome que se espalha em Gaza, exigindo também um cessar-fogo imediato e permanente, além da suspensão de todas as restrições ao fluxo de ajuda humanitária impostas por Israel.
QUE MUDANÇAS ISRAEL FEZ NO FIM DE SEMANA?
Após forte pressão, Israel disse no domingo que criaria corredores humanitários para permitir o movimento seguro de veículos da ONU e retomou o lançamento aéreo de comida para a Faixa de Gaza, um método controverso de distribuição, ao qual a Alemanha também anunciou nesta segunda que vai aderir. Também anunciou pausas diárias nas operações militares.
Segundo Tel Aviv, 120 caminhões de ajuda entraram em Gaza durante as 10 horas de pausa das operações militares no território. Para o diretor de ajuda humanitária das Nações Unidas, Tom Fletcher, porém, as entregas foram um começo, mas ainda representam "uma gota no oceano".