Alcino Lagares Côrtes Costa
Coronel da reserva e conselheiro da Academia de Letras dos Militares Mineiros

O Decreto 1.2341, que regulamentou a Lei 13.060/2014, visando disciplinar o “uso da força” pelos profissionais de segurança pública, foi assinado no dia 23 de dezembro de 2024. Dias antes, sua “minuta” já vinha sendo objeto de críticas negativas, considerando-a “prejudicial às ações da polícia”, “geradora de condenações de policiais” e “protetora de bandidos”.

A meu ver, em vez de “proteger bandidos”, o decreto protege os bons profissionais da segurança pública, uma vez que incentiva o treinamento para o uso adequado da força e possibilita a inclusão de protocolos objetivos para que os policiais saibam que estão fazendo “a coisa certa” nas abordagens policiais.

Existe um abismo separando “espírito de corpo” (o estarmos dispostos a sacrificar a própria vida para apoiar um companheiro no cumprimento do dever) de “corporativismo” (que significa uma vil cumplicidade com aquele que, envergando uma farda, descumpre a lei).

Sou oficial do Quadro de Oficiais da Reserva (QOR) da Polícia Militar, na qual prestei serviços por 30 anos: nos postos de tenente e capitão, comandei companhia; nos postos de major e tenente-coronel, fui comandante de batalhão e, no posto de coronel, fui comandante regional. Tive a felicidade de ser autor da primeira publicação nacional e da implementação do “Policiamento Comunitário” (entre 1988 e 1993, no Triângulo Mineiro) e jamais permiti que fosse cometida qualquer violência contra civis, fossem eles criminosos ou não.

Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), em seu livro “O Espírito das Leis”, propôs a tripartição dos poderes para extinguir o absolutismo que prevalecia na monarquia francesa no século XVIII e advertiu: “Todo homem que tem poder é tentado a abusar dele”.

A advertência de Montesquieu é aplicável a todo homem que exerce poder em nome do Estado: na noite de 24 de dezembro (um dia após a assinatura do decreto), uma moça de 26 anos foi atingida na cabeça por um dos disparos feitos em direção ao veículo em que ela e pessoas da família seguiam para comemoração do Natal em Niterói, no Rio de Janeiro.

Os autores eram patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que “acharam que os ocupantes do carro eram suspeitos”.
Mas, conforme o inciso V do parágrafo único do artigo 2º do decreto: “A força deve ser empregada com bom senso, prudência e equilíbrio, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, com vistas a atingir um objetivo legítimo da aplicação da lei”. (O grifo é meu).

O decreto é bom: em termos de redação, eu só eliminaria a expressão “bom senso” da parte inicial do citado inciso V, porque aqueles patrulheiros agiram de acordo com o “bom senso” que tinham, e todos nós acreditamos que só têm bom senso as pessoas que pensarem do mesmo modo que pensamos. Não é mesmo?