Mauro Sérgio*
Doutor em educação (UFU) com pós-doutorado em filosofia (UNB)

(*) Membro da Academia de Letras e Artes de Araguari – MG

O governo de Minas decidiu manter aberta a adesão de escolas estaduais ao Programa de Escolas Cívico-Militares, a despeito do fim do projeto em âmbito nacional. Tal empreitada decorre do extinto Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado em 2019. O projeto consistia em implementar um modelo de gestão de ensino baseado na transposição ao ambiente escolar de uma lógica hierárquica e disciplinar que, em essência, pouco dialoga com os fundamentos de uma educação democrática e libertadora.

O Pecim figurou entre as raras promessas de campanha efetivadas pelo governo Bolsonaro na seara educacional, ao lado do movimento Escola sem Partido e da educação domiciliar. Entre essas três frentes ideológicas, a militarização das escolas foi a única a se concretizar, ainda que de forma limitada. O Escola sem Partido perdeu fôlego diante da escassez de apoio político, embora projetos de lei inspirados por ele persistam em diversas esferas legislativas. Já a proposta de regulamentação da educação domiciliar foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, entendimento reiterado em 2025.

Essas três iniciativas compartilham do desprezo pela escola pública enquanto espaço de pluralidade, diálogo e emancipação. Ao rechaçar abordagens pedagógicas comprometidas com a diversidade de ideias, crenças, identidades e culturas, elas configuram um ataque à dimensão formativa, coletiva e ética da educação brasileira.

O Pecim prometia promover uma suposta “excelência educacional” a partir de um modelo centrado na hierarquia, na meritocracia e na disciplina. Contudo, carece de fundamentos teóricos e de respaldo científico, consignado por uma retórica militarista que permeou o governo que o criou.

Importa frisar que a existência de instituições de ensino militar não representa, por si só, um problema. O que se deve questionar é a tentativa de impor a militarização como solução genérica e mágica para os graves desafios estruturais da educação pública brasileira – como a desigualdade de acesso, o déficit de financiamento, a precarização da carreira docente e a exclusão social. Não é por meio do apelo a um patriotismo acrítico, anacrônico e superficial, nem pela imposição de rigidez autoritária, que alcançaremos uma educação de qualidade.

Existem, felizmente, experiências exitosas e plenamente replicáveis no cenário nacional, como os Institutos Federais, os Colégios de Aplicação e o emblemático caso da rede pública de Sobral, no Ceará. No plano internacional, países como Finlândia, Suécia e Alemanha mostram que o caminho passa pela valorização da educação pública, laica, democrática, inclusiva, plural e socialmente referenciada – e não pela militarização do cotidiano escolar.

Desta forma, a insistência do governo mineiro em expandir o modelo das escolas cívico-militares revela-se um equívoco, pois substitui o ideal democrático por uma lógica autoritária que inibe a liberdade pedagógica, a diversidade de pensamento e a formação cidadã, esvaziando o papel da escola como espaço de construção coletiva, diálogo e vivência da alteridade.

Importar lógicas militares para a escola significa ignorar que a educação exige abertura, questionamento, participação e compromisso com a transformação social. Em contrapartida, é urgente fortalecer políticas públicas que valorizem os profissionais da educação, invistam na formação docente, promovam a gestão democrática e incentivem o protagonismo estudantil. A escola é o território da reflexão, da investigação, da socialização, da convivência, da diversidade e da experiência concreta da cidadania. Educação não é questão de polícia, e a escola em nada deve se assemelhar à caserna.