Oscar Torretta é antropólogo
A vida é realmente uma roda giratória. O grande sucesso dos reality shows, como o “Big Brother” – com a sua componente voyeurística, em que o espectador “olhando pelo buraco da fechadura” se entusiasma com o que fazem os próprios similares durante a sua vida –, tem precursores. Conhecer a vida cotidiana dos vizinhos e dos VIPs – com as relativas dificuldades, mal-estares, discussões, relações, segredos e impulsos relacionados – era um esporte muito praticado já na Antiguidade.
Parece que o tempo não esgotou essa prática. Ao menos à luz do que mostra o ranking dos livros de não ficção do “Sunday Times”, em que há pouco tempo entrou no topo do ranking um livro que não é propriamente uma publicação recente, ou seja, “De Vita Caesarum”, de Suetônio, na recente tradução inglesa do latim de Tom Holland, intitulada “The Lives of the Caesars”.
Poucas obras tiveram a sorte desse ensaio, entre os primeiros a serem reproduzidos impressos, distribuídos e traduzidos em vários idiomas. Mas o que há de tão interessante nesse livro? Ele contém as histórias da vida dos imperadores, das dinastias júlio-claudiana e flaviana (aproximadamente de 27 a.C. a 96 d.C.), de acordo com um esquema somente em parte atribuível à biografia alexandrina (família, nascimento, adolescência, inclinações, atividade pública, vida privada, aparência física, morte).
Tamanho sucesso provavelmente está ligado ao fato de a atenção de Suetônio – Gaius Suetonius Tranquillus, biógrafo e erudito romano, autor do livro, nascido em data incerta, talvez por volta de 69 d.C. – ter sido dirigida não tanto ao imperador quanto ao homem, do qual teria evidenciado as fraquezas e defeitos para atrair, em tal modo, um público ávido de curiosidade e fofocas. Mais atual do que nunca!
No entanto, Cícero, um dos maiores oradores, filósofos e políticos da Roma Antiga do século I a.C., dizia que em uma cidade tão fofoqueira como (a Antiga) Roma ninguém estava a salvo das calúnias. Suetônio recolheu informações muito interessantes que de outra forma teriam sido perdidas. Por exemplo, contando como até os grandes choravam ao se pentear – Vida de César (45) –, ou sempre em referência a César, perguntando-se sobre as suas coceiras juvenis, vividas com o rei Nicomedes da Bitínia (49).
Tem também fofocas sobre o nascimento de Druso Maior, filho da segunda esposa de Otaviano (imperador), casado quando ela ainda estava grávida do primeiro marido. As más línguas insinuavam que a criança seria fruto de adultério com Otaviano, fazendo circular o ditado de que aos mais sortudos os filhos nascem em três meses (Cláudio, 1). Juntam-se, pois, as fofocas picantes sobre a escandalosa conduta privada de Calígula, incestuoso com todas as suas irmãs (Calígula, 24) e propenso a aventuras com as divas da época (Calígula, 53), até as preocupações de Augusto com as imbecilidades do futuro imperador, Cláudio, ou ainda ao pouco clemente epíteto dado a Domiciano, de “Nero Careca”, com a adição de um detalhe impiedoso: o príncipe passava as horas designadas aos cuidados do governo jogando dados sozinho (Domiciano, 21). O que hoje seria classificado como jogador compulsivo.
A sociedade romana tinha (como todas) uma série de regras em relação ao sexo, tema que no tempo não perdeu “appeal”, também no sentido literário. Códigos que na privacidade muitos cidadãos, como também acontece hoje, não respeitavam. Por outro lado, na época o problema não era tanto fazer algo que pudesse ser considerado “indigno”, mas evitar que fosse sabido e preocupar-se de quem viesse a saber.
Na época, a escravidão era uma prática inalterável. Ser acusado por outro homem livre poderia arruinar a carreira de um homem poderoso, mas, se, ao contrário, a acusação viesse de uma mulher plebeia, o acusado teria mais chances de sair limpo.
Se a apontar o dedo tivesse sido uma mulher de origem nobre, certamente teriam sido realizadas investigações, enquanto, se o informador das perversões tivesse sido um escravo, a pessoa em questão não teria motivos para se preocupar. O status social era tudo em Roma, e o valor da palavra era diretamente proporcional à importância daquele que a pronunciava. Por isso, um homem ou uma mulher de alto escalão podiam se permitir os seus próprios prazeres, sempre certificando-se de que nenhuma pessoa relevante viesse a saber.
A nossa compreensão do poder deve muito à Roma Antiga. A ferocidade, a brutalidade, os vícios e as virtudes desde sempre representaram a imagem dos poderosos como hoje, em uma época em que tudo é midiaticamente exagerado e tudo deve atingir a imaginação para virar notícia.