Alê Portela é deputada estadual e secretária de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais

A corrupção no Brasil é um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade e pelas instituições públicas e privadas. Apesar de termos conquistado avanços legislativos nessa área, a corrupção permanece como uma ferida aberta, corroendo estruturas políticas, econômicas e sociais. Esse fenômeno não é uma disfunção isolada, mas uma desgraça sistêmica, profundamente enraizada na cultura brasileira.

Em 2024, o Brasil registrou 34 pontos e ficou na 107ª posição, entre 180 países, no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional. Trata-se da pior nota e da pior colocação do país na série histórica do índice, iniciada em 2012. Não é apenas uma percepção. Tristemente, bilhões de reais são desviados anualmente dos cofres públicos, resultando em uma queda de investimento em áreas essenciais ao desenvolvimento do país.

Enfrentar isso exige mais do que coragem. A corrupção é particularmente difícil de ser combatida no Brasil, pois ela não se apresenta apenas de forma vil e descarada. Muitas vezes, disfarça-se com o manto da benevolência. Ela exibe boas maneiras e tem uma fachada de respeito. Ela se infiltra furtivamente nos mais variados setores, desde a política até o setor privado, e se apresenta como algo essencial enquanto age nos bastidores para subverter recursos que pertencem à sociedade. Essa falsa aparência de virtude faz com que a corrupção seja ainda mais insidiosa, pois, transfigurada, torna-se difícil distinguí-la das genuínas ações dedicadas ao bem público.

A corrupção no Brasil não é apenas política ou econômica, mas uma verdadeira doença social. É um comportamento perpetuado por gerações, tornando-se, em muitos casos, quase uma norma de conduta. Isso, porque a corrupção no Brasil transcende a esfera do desvio de recursos públicos; envolve uma distorção dos valores sociais que cria uma sociedade em que a ética é secundária, e o pragmatismo da sobrevivência a qualquer custo prevalece. Em uma sociedade onde a corrupção é vista como uma prática aceitável ou até mesmo necessária para o sucesso pessoal e profissional, os valores fundamentais de justiça, honestidade e respeito são enfraquecidos e, por vezes, substituídos por outros valores vulgares, como a esperteza e a velhacaria.

Tal deformação moral se reflete no comportamento social e renova, a cada geração, novos cidadãos desajustados, que ignoram noções de certo e errado e consideram a violação às normas e a desonestidade como ferramentas legítimas para alcançar objetivos. O resultado disso é uma sociedade desprovida de limites, onde predomina a lógica do “salve-se quem puder” e onde os interesses individuais se sobrepõem ao bem-estar coletivo, gerando um país sem dignidade e sem esperança.

O Brasil, que congloba uma rede complexa de interesses escusos, é um ambiente hostil e perigoso aos que confrontam a ordem vigente, e muitos são forçados a se calar ou a se submeter a ele. Não raramente, tornam-se alvos de represálias, perseguições e até mesmo de atos violentos e ilegais. A lógica do sistema corruptivo é defensiva: ela é projetada para expulsar o “corpo estranho”.

Os prejuízos sociais desse desvirtuamento são profundos e trazem reflexos que são sentidos por todos nós. Além disso, a confiança nas instituições se deteriora, reforça a descrença no futuro da nação, enfraquece ainda mais as bases para a construção de um país justo e próspero e aumenta ainda mais o abismo que nos separa de um país decente.

Nos tempos atuais, a nossa tarefa é ainda mais complexa e desafiadora. Em meio ao relativismo generalizado sobre quase tudo e conceitos líquidos e multiformes, já não temos mais consenso sobre a definição de corrupção. Imersos em um ambiente de múltiplas narrativas jurídicas, descondenações e condenações políticas, nos perdemos em um vale perigoso e já não sabemos mais o que é, de fato, comportamento corrupto. Aliás, em alguns momentos, a sensação é a de que há mesmo certeza sobre pouquíssimas coisas.