Vinte anos se passaram desde que o escândalo do mensalão veio à tona. Nos registros dessa efeméride, não passou desapercebido o episódio do Rolex dado de presente ao então ministro José Dirceu. Era uma versão falsificada do famoso relógio, que, à época, se comprava por US$ 10,00 nas ruas de Shangai.
Aqui no Brasil, ainda eram vendidas nas feiras bugigangas fabricadas na China a preço de banana, enquanto o gigante do Leste Asiático se levantava como uma potente economia que viria a ombrear-se aos Estados Unidos poucos anos depois. Em 2001, a China tornou-se o 143º membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e, 20 anos depois, já é o maior exportador de bens do mundo. Com mais de US$ 3 trilhões/ano, produz quase 30% do valor adicionado à manufatura global e domina as cadeias de suprimentos de painéis solares a carros elétricos e smartphones.
Toda essa transformação da China teve início nos idos de 1971, quando o presidente americano Richard Nixon visitou Pequim, ainda sob o comando de Mao Tsé Tung, e iniciou com Zhou Enlai tratativas que abririam as portas da comunidade internacional para a China. No final daquele ano, com apoio dos Estados Unidos, a China continental substituiu Taiwan no Conselho de Segurança da ONU. Em 1978, com Mao morto, Deng Xiaoping comandou o processo de abertura econômica que resultou em um novo modelo de capitalismo de Estado e no boom da economia chinesa.
As relações da China com os Estados Unidos podem ser avaliadas tanto nos fluxos comerciais, que somam cerca de US$ 600 bilhões/ano, como nos investimentos chineses em título do Tesouro americano, que estão na casa dos US$ 800 bilhões. Seriam mais, se a China não tivesse se desfeito de mais de US$ 300 bilhões desses títulos desde 2016.
A estratégia geopolítica dos EUA, na década de 1970, usando tanto seu hard power quanto seu soft power, entre outros objetivos, visou construir outro polo, fora de sua área de influência, que pudesse enfraquecer a antiga União Soviética – o que foi bem-sucedido. Cinquenta anos se passaram de hegemonia unipolar americana, com o dólar sendo usado, internacionalmente, como moeda de troca, reserva de valor e, em alguns casos, unidade de conta.
Não acompanhando esta tradição de republicanos e democratas, e em cenário global no qual as economias estão interligadas, tanto no campo financeiro como no comercial, com cadeias globais de suprimentos consolidadas, o presidente Trump concentra suas ações estratégicas usando somente o hard power.
Neste novo mundo, onde os EUA não têm mais uma clara hegemonia, os impulsos de Trump estão erodindo o pilar fundamental de soft power, que é a confiança que deu ao país sua posição privilegiada em tantas áreas, desde finanças e moeda até liderança política internacional, conforme Fareed Zakaria (“Estadão” de 14/6/2025). O mundo ficou mais complexo, e Trump não viu e tornou-se um elefante em loja de cristais.