Kátia Assad é psicóloga clínica, fundadora da consultoria de saúde mental Psico.delas

Num país onde tudo vira meme, o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) se transformou em mais um termo da moda, e isso está longe de ser inofensivo. A sigla, que identifica essa condição, ganhou os holofotes nos últimos anos, saindo dos consultórios médicos para viralizar nas redes sociais.

De um lado, esse movimento ampliou a visibilidade de um problema real e complexo. De outro, acendeu um alerta para a banalização de um transtorno sério, impulsionada por uma avalanche de autodiagnósticos e avaliações apressadas.</CW>
No Brasil, a prevalência dos diagnósticos relacionados ao déficit de atenção saltou de 6,1% para 10,2% nas últimas duas décadas. As buscas pelo termo no Google aumentaram 576% nos últimos cinco anos, reflexo de um interesse popular intenso, alimentado por vídeos curtos, listas de sintomas e relatos emocionantes de influenciadores. Mas, quando a simplificação substitui a ciência, o risco é real e já está entre nós.

A superexposição dessa condição nas redes sociais não só distorce informações como também incentiva rótulos prematuros. Dados indicam que metade dos conteúdos disponíveis sobre o transtorno nas plataformas digitais contém informações incorretas. Em vez de orientação, frequentemente o que se oferece é uma autoajuda genérica mascarada de diagnóstico clínico. Em meio a tanta desinformação, cresce o número de pessoas que se identificam com postagens e concluem, sozinhas, que têm o transtorno, sem passar por avaliação profissional, sem investigar outras causas para os sintomas e sem considerar o contexto emocional, social e familiar.

Não é coincidência que o SUS tenha registrado quase 1 milhão de atendimentos ambulatoriais relacionados a essa condição em 2023, número que ultrapassou 770 mil já em outubro de 2024. A demanda cresce, mas nem sempre pelo caminho certo. Diagnósticos malconduzidos podem levar a tratamentos desnecessários, ao uso indevido de medicamentos e, pior, ao esquecimento de outras questões igualmente sérias: ansiedade, depressão, dificuldades de aprendizagem e sobrecarga emocional.

É inegável que esse transtorno existe e precisa ser reconhecido, tratado e respeitado. Mas a pressa em rotular qualquer dificuldade como déficit de atenção revela mais sobre nossa ansiedade por respostas rápidas do que sobre a realidade dos pacientes. A alfabetização em saúde mental precisa deixar de ser jargão para virar política pública, pauta escolar e cultura social.

A crítica aqui não é à visibilidade do transtorno, mas à superficialidade com que ele tem sido tratado. Nenhuma condição de saúde mental deveria ser reduzida a um checklist de rede social. Diagnóstico é processo, não palpite. E, no campo da saúde, rótulo errado pode custar caro: estigmatiza quem não tem, medicaliza quem não precisa e negligencia quem realmente carece de ajuda. O desafio está posto: informar sem simplificar, acolher sem rotular, escutar antes de concluir. Afinal, mais do que entender o que é o déficit de atenção com hiperatividade, é preciso reaprender a perguntar o que não é. E isso, definitivamente, não se resolve em 30 segundos de vídeo.