Laura Brito
Advogada especialista em direito de família e das sucessões

Nos últimos dias, todos os jornais e portais noticiaram repetidamente a morte e o velório de Preta Gil. É tocante quando a perda de uma pessoa é capaz de gerar tanta comoção.

Fiquei particularmente comovida com a notícia de que ela tinha feito uma playlist para tocar em seu velório. Pode parecer mórbido, mas a mim parece um símbolo de autonomia, domínio da vida e um desejo imparável de escrever a própria biografia até o fim.

A ideia de escolher a música do próprio funeral me conduz imediatamente à ideia fascinante de gurufim. Gurufim é um velório festivo, tradicionalmente feito para os sambistas, em que a tristeza do fim é espantada pela música, por memórias e por brincadeiras. Uma maneira de enganar a morte na tradição dos povos da diáspora africana.

Não bastasse a pauta musical, ela manifestou a vontade de ser cremada, no que também foi atendida pela família.

Eu não tenho informação de como Preta Gil registrou esses seus desejos. Pode ter sido verbalmente, sabendo que as pessoas de seu círculo íntimo a respeitariam em seus últimos pedidos. Mas ela poderia ter formalizado essas vontades em um codicilo, que é um documento reconhecido pelo Código Civil, segundo o qual toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

O codicilo é um documento pouco valorizado, mas que merece muito prestígio. Pensar sobre a própria cerimônia fúnebre é, de um lado, o auge da autodeterminação e, de outro, um cuidado com quem fica. Afinal, é um presente tirar das pessoas queridas a obrigação de tomar decisões no momento de luto.

Na literatura norte-americana sobre o tema, que é relevante, há a recomendação de que as pessoas já listem quem deverá ser informado, quem será o responsável por “espalhar a notícia” e, acredite, quem não deve ser convidado para o velório. É interessante pensar se deve ter alguma celebração de cunho religioso ou outras espécies de homenagem.

Minha mãe morreu com a mesma idade dela – para ser precisa, a poucos dias do seu aniversário de 50 anos. E, acredite, era uma pessoa bastante magnética também, cuja partida repentina causou comoção e um velório lotado e emocionante.

Eu era jovem e fui demandada para tomar muitas decisões sobre a despedida dela. Tive que fazer escolhas para as quais eu não sei se estava preparada. E, apesar de ter sentido um amor imenso das pessoas que estavam lá, em muitos momentos eu me perguntei se era isso mesmo que a minha mãe gostaria.

Hoje, reúno essa vivência pessoal com a experiência profissional e recomendo com frequência que as pessoas façam codicilo. Ou que, ao menos, verbalizem suas vontades.

Manifestar, registrar e respeitar vontades para os rituais de despedida é uma forma de cuidado e respeito mútuos e, por isso, deveria ser assunto dos momentos mais importantes em família.
Não devemos permitir que o tabu da morte nos roube a liberdade da despedida.