Leônidas Oliveira é secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
Há lugares em que a Terra ainda fala. E há lugares onde ela sussurra por dentro da alma humana. Uberaba é um desses raros territórios onde tempo, ciência e fé se encontram. Cidade de camadas – geológicas, históricas, espirituais – Uberaba abriga não apenas fósseis de dinossauros, vestígios arqueológicos e patrimônio cultural. Ela abriga também a memória viva de um homem que dedicou sua existência a consolar dores e decifrar silêncios: Chico Xavier.
Desde 2023, Uberaba integra a Rede Global de Geoparques da Unesco, com o Geoparque Uberaba – Terra de Gigantes, que reconhece e preserva seu imenso patrimônio paleontológico. Ali, o tempo é ancestral. No subsolo do Triângulo Mineiro repousam ossos com mais de 70 milhões de anos. Mas o que torna Uberaba ainda mais singular é que, ao lado desse tempo da pedra, pulsa um outro tempo – o do espírito. Um tempo que não se mede em milhões de anos, mas em gestos de amor, mediunidade e escuta profunda da dor humana.
É como se o tempo geológico e o tempo espiritual formassem em Uberaba uma espiral, não uma linha. Em Peirópolis, visitamos o passado mais antigo da Terra. No Parque da Vida, onde repousam os restos de Chico Xavier, acessamos uma dimensão do futuro: aquela em que a ética da fraternidade e a fé no invisível sustentam o sentido da existência.
Peirópolis
Essa conjunção de camadas – a terra dos dinossauros e o céu dos espíritos – nos obriga a repensar o conceito de patrimônio. Patrimônio não é apenas o que se vê, mas também o que se sente. Não é apenas o que está guardado em pedra, mas o que vibra na memória coletiva. O Geoparque, a arqueologia e a espiritualidade popular compõem em Uberaba um território do sagrado ampliado, onde ciência e fé não se opõem, mas se reconhecem mutuamente como formas de escutar o tempo.
E o tempo, ali, tem muitas vozes
Na materialidade dos fósseis, aprendemos a humildade diante da história da Terra. Nas cartas psicografadas de Chico Xavier, acessamos a dor dos que ficaram e a esperança dos que partiram. No Parque da Vida, essa dualidade se resolve: corpo e espírito, terra e céu, silêncio e palavra.
Reconhecimento pela Unesco
O reconhecimento da Unesco, portanto, não é apenas uma chancela científica. É o selo de que Uberaba é um território simbólico global. Que sua paisagem guarda não só a memória planetária, mas o exercício contínuo da empatia e do cuidado – valores que Chico nos ensinou a praticar com simplicidade e fé.
Minas Gerais, mais uma vez, revela sua vocação para abrigar o essencial. De Ouro Preto a Congonhas, de Grão Mogol ao Vale do Peruaçu, o sagrado em Minas é plural: está nos altares e nas cavernas, nos sinos e nas ossadas, na liturgia e na ciência. Em Uberaba, ele se manifesta como um sopro que atravessa eras.
Talvez por isso, ao visitar Uberaba, sentimos que algo nos olha de dentro do chão – e de dentro de nós. Porque a verdadeira viagem não é apenas pelo território, mas pelas camadas invisíveis que nos sustentam. E Uberaba, com seu Geoparque, sua arqueologia e sua espiritualidade viva, é solo fértil para essas travessias