Erick Couto é advogado criminalista e mestrando em direito processual constitucional
O enfrentamento da criminalidade no Brasil tem sido historicamente conduzido sob uma óptica repressiva, que se ancora na crença equivocada de que o aumento de penas e o encarceramento em massa são instrumentos eficazes para a contenção da violência e da insegurança social. No entanto, essa abordagem desconsidera um aspecto essencial: o crime é, antes de tudo, um fenômeno socialmente construído, e não uma manifestação natural da condição humana. Como bem sustenta Eugenio Raúl Zaffaroni (2001), o delito é “um fato social, cuja existência está intimamente vinculada às contradições e desigualdades estruturais da sociedade capitalista moderna”.
A subsistência da criminalidade, essencialmente nas grandes metrópoles do Brasil, revela em seus diversos aspectos a omissão do Estado de direito em sua função precípua de garantir condições mínimas de cidadania às pessoas.
A deficiência sistemática de políticas públicas eficazes no âmbito da educação, saúde, moradia e trabalho cria ambientes propícios para o desenvolvimento da criminalidade, sobretudo nas regiões mais pobres, onde o Estado chega, na maioria das vezes, pela força policial, e não pelo investimento social. Neste passo, é possível chegar à conclusão de que a violência e o crime não são resultados de degeneração moral de determinados indivíduos ou grupos sociais, mas de uma desigualdade crônica que afeta grande parcela da sociedade brasileira.
Um olhar crítico sobre a criminologia contemporânea reforça a perspectiva de que o caráter seletivo embutido no sistema penal opera de forma majoritária sobre pessoas pobres, negras e periféricas, revelando estigmas históricos consubstanciados em exclusão social. Nessa perspectiva, o direito penal atua como instrumento de contenção da massa marginalizada, servindo como meio de manutenção da desigualdade estabelecida em contraposição à sua essência real, que é o controle do poder de punir do Estado.
Não fosse o bastante, a prática isolada de repressão, desvinculada de meios de prevenção social do crime e da violência, revela-se não apenas ineficaz, mas também perversa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgados paradigmáticos, tem reafirmado a necessidade de respeito aos direitos fundamentais do indivíduo no enfrentamento da criminalidade, reconhecendo que a atuação estatal não pode ser pautada exclusivamente pela lógica punitiva, sob pena de comprometer os fundamentos do Estado democrático de direito. A repressão desproporcional, além de ineficaz, afronta a Constituição Federal e agrava o ciclo de exclusão já existente no país.
Sendo assim, é necessário, em caráter de urgência, repensar o papel do sistema penal brasileiro. A punição, embora necessária em diversos aspectos, não deve ser o eixo estruturante da política criminal. A centralidade da resposta do Estado à criminalidade deve se pautar na prevenção, na proteção social e na justiça restaurativa, sobretudo quando se trata de delitos de menor ofensividade, praticados por indivíduos em situação de vulnerabilidade.
A mudança do paradigma punitivista exige uma transformação cultural, política e institucional. É necessário que o Estado assuma sua responsabilidade na produção das condições que conduzem o indivíduo ao crime e invista na reconstrução do tecido social, promovendo igualdade e dignidade a todos. Afinal, nas palavras de Norberto Bobbio (2004), “a paz é o fruto da justiça”, e não da força.