Cláudia Sintoni é gerente de implementação do Itaú Social, na
Fundação Itaú, psicóloga e arte-educadora
Quando um país investe na pré-escola, ele aposta no potencial humano desde seus primeiros anos e cria bases sólidas para uma trajetória de sucesso na escola e na vida. É neste período que as crianças de 4 e 5 anos já atribuem sentido aos desenhos e imaginam mundos por meio das histórias e das brincadeiras. Nessa fase, oportunizar o conjunto de direitos de aprendizagem apresentados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se – implica enfrentar as desigualdades de acesso, melhorar a qualidade da oferta e garantir políticas públicas que assegurem condições justas para todas as crianças.
O Censo Escolar 2024 aponta 5,3 milhões de indivíduos na pré-escola, 78% na rede pública, majoritariamente municipal. Contudo, o acesso não garante qualidade. Um estudo conduzido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes/USP), em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e o Itaú Social, em 12 municípios, revelou que 55% das turmas de educação infantil não contaram com leitura de histórias, e 67% não ofereceram experiências com a natureza. Ambientes e práticas pedagógicas apresentaram baixa qualidade, mesmo em regiões favorecidas.
Esses dados apontam que precisamos focar ainda mais a qualidade e equidade na educação infantil, para que todas as crianças vivenciem uma pré-escola inesquecível. A atualização em 2024 dos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil e a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) das Diretrizes Operacionais Nacionais nos oferecem a oportunidade de avançar em ações concretas e significativas. Elaborados por meio de um processo participativo que envolveu quase 30 mil representantes da sociedade civil – entre professores, pesquisadores e gestores de 27 estados –, o documento incorporou cerca de 2.000 recomendações. A nomenclatura passou a ser referenciada como “Parâmetros de Qualidade e Equidade”, reconhecendo as desigualdades na educação e a diversidade cultural brasileira, e tem agora um caráter mandatório, orientando tanto a oferta pública quanto privada da etapa de 0 a 5 anos.
A implementação das diretrizes exigirá, acima de tudo, esforços coordenados entre União, estados e municípios. Esses últimos, com a responsabilidade de atender a essa etapa educacional, precisam muito do apoio qualificado dos estados para conseguir ampliar a oferta de educação integral de qualidade. A colaboração estratégica é fundamental para alinhar as políticas públicas às práticas pedagógicas nas escolas, criando ambientes educacionais que atendam às diretrizes da BNCC e estimulem o desenvolvimento infantil de forma lúdica e estruturada.
Consolidar esse regime de colaboração é um desafio, mas é por meio dessa união de esforços, com compartilhamento de recursos, conhecimentos e responsabilidades, que se estabelecem as condições ideais para expandir vagas, aprimorar a infraestrutura e promover práticas pedagógicas estruturadas e organizadas.
No âmbito nacional, o governo federal avança com seminários regionais, incentivando gestores e educadores a alinhar práticas locais aos novos Parâmetros Nacionais de Qualidade e Equidade da Educação Infantil (PNQEI). O anúncio pelo Ministério da Educação (MEC) de um “Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade na Educação Infantil” também traz a política pública para este lugar estratégico de direcionar recursos financeiros, técnicos e formativos prioritariamente para os municípios, especialmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade, ressaltando o importante papel dessa articulação entre os entes federativos.
O caminho para um impacto genuíno nas práticas pedagógicas, que contemplem a diversidade e impulsionem a inclusão e o desenvolvimento integral (cognitivo, social, emocional e físico), reside na formulação de novas políticas públicas e na sua implementação eficaz. O momento exige que estejamos verdadeiramente dispostos a mobilizar os recursos, a vontade política e a colaboração, indispensáveis para assegurar que toda criança tenha acesso a uma pré-escola capaz de transformar sua jornada educacional e sua vida.