Victor Salles é especialista em inteligência artificial e sócio da Proteus Academy

O Brasil é, definitivamente, um país que abraça as tecnologias digitais: números do We Are Social e Meltwater indicam que por aqui havia 187,9 milhões de internautas no ano passado, o que representa 86,6% da população. O percentual é, inclusive, mais alto que a média sul-americana, de 82,5%.

Diante desses dados robustos, a notícia recente de que estamos entre os três países que mais usam o ChatGPT semanalmente, atrás apenas de Estados Unidos e Índia, conforme estudo inédito da OpenAI, dona da tecnologia, chancela a nossa entrada em uma nova era, na qual a disseminação da plataforma entre a população acontece de forma cada vez mais aderente e natural.

Para efeito de comparação, o Google recebe, em nível global, cerca de 13 bilhões de mensagens por dia, enquanto o ChatGPT – segundo a OpenAI –, incríveis 2 bilhões, metade delas relacionadas a buscas por informação. O número, obviamente, é bastante expressivo dado o pouco tempo de presença dessa tecnologia em nossas rotinas. 

Isso significa que não estamos diante de um “hype”, como muitos ainda insistem em afirmar, mas sim de um mecanismo sólido que chegou para estruturar novas formas de comunicação e aquisição de conhecimento. Neste sentido, quem não sabe o mínimo vai ficar à margem das boas oportunidades por não conseguir performar bem em quase nenhuma atividade.

Por outro lado, como toda moeda tem duas faces, é importante acendermos um alerta quanto ao uso incorreto do ChatGPT, principalmente no que se refere a aprendizado e capacitação, um dos motivos que mais atraem os brasileiros para o chatbot. Estudo recente do MIT Media Lab, realizado com 54 participantes entre 18 e 39 anos, divididos em três grupos para escrever sobre temas do SAT – o exame de admissão universitária dos Estados Unidos –, revelou que o uso indiscriminado de assistentes de Inteligência Artificial (IA) pode atrapalhar processos mentais como raciocínio e criatividade.

Na pesquisa, a equipe 1, que recorreu totalmente à plataforma da OpenAI para a construção dos textos sem sequer tentar redigi-los a partir do repertório pessoal, teve o menor nível de engajamento cerebral, especialmente em áreas relacionadas ao controle executivo e ao processamento semântico. O monitoramento foi possível graças ao uso de um eletroencefalograma com sensores que registraram a atividade cerebral dos participantes em tempo real durante a escrita.

Por sua vez, o grupo que escreveu somente com base no próprio conhecimento registrou atividade cerebral intensa de ondas alfa e beta, ligadas à criatividade, à memória ativa e à organização semântica.

Em uma fase extra, os pesquisadores solicitaram que os participantes da terceira equipe utilizassem o ChatGPT somente após redigir uma redação por conta própria. Nesse cenário, os dados cerebrais mostraram um pico de conectividade, o que indica que, quando a IA é usada depois de um esforço cognitivo inicial, ela pode funcionar como reforço, não como substituição.

Como analogia, pensemos na calculadora: não há impedimento em usá-la quando já sabemos fazer contas, afinal ela é um assistente. O problema surge quando alguém que ainda está aprendendo recorre a ela de forma imediata, sem desenvolver as próprias habilidades. Isso vale para o ChatGPT: tudo depende de quando e como usamos.

Em resumo, o Brasil vive um momento de protagonismo no uso da IA. Cabe a nós garantir que esse avanço seja acompanhado de senso crítico, equilíbrio e responsabilidade digital. Afinal, só assim conseguiremos aproveitar o melhor da tecnologia preservando o que nos torna humanos: nossa capacidade de pensar, criar e aprender.