Poderia dedicar estas linhas a mais uma primavera. A que se iniciou anteontem difere muito, na alegria, das dezenas que já vivi. Mas tenho algo a dizer sobre o instituto da reeleição. Critiquei-o desde o início da sua “aceitação” – segundo expressão do próprio – pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem também critiquei, em vários artigos, quando o vi afinal vencido pela “ideia” da qual hoje se arrepende.

A reeleição não deu certo. Tornou-se problema, não solução. Para substituí-la, a opção de um só mandato de cinco anos seria boa para os que consideram curto o de quatro. Será mesmo? Com a palavra, os jovens, que precisam confiar na política como único caminho viável para a consolidação da liberdade e da democracia.

É possível que o excesso de vaidade, leitor, tenha levado FHC a “aceitar a reeleição”. É possível que tenha sido influenciado por “amigos e/ou conselheiros” ocupados não com o país, mas com seus interesses pessoais. É possível que tenha usado o risco que representava, naquela época, uma vitória do “sapo barbudo”, a fim de que não só aceitasse, mas trabalhasse pelo segundo mandato. Tudo isso é possível. Mas isto é inegável: diante da pobreza e/ou da degeneração do atual quadro político, o ex-presidente sempre ocupará lugar na cabeceira. O real – fruto de uma equipe de talentosos economistas – suportou o país até aqui, apesar de Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro.

Na semana passada, li reportagem em “O Estado de S. Paulo” sobre as eleições municipais deste ano. Dos 5.568 prefeitos, espalhados pelas cidades brasileiras, 78,&% (ou 4.384), segundo levantamento feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), estão aptos a disputar a reeleição – um instituto que, de acordo com a promessa eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro, estaria hoje fora do jogo político, em vez de ter se transformado em seu único plano de governo.

É decepcionante, sobretudo para os que não apoiam as perigosas manifestações de direita ou de esquerda radicais, imaginar que as eleições municipais deste ano se resumam a um estúpido duelo entre bolsonaristas e antibolsonaristas. Tomara que a pandemia seja um divisor de águas. À primeira vista, ela poderá propiciar boas escolhas.

É isso o que diz o cientista político e professor da USP José Álvaro Moisés. Ele prevê que a disputa municipal poderá ser “entre quem defende e quem se opõe a Jair Bolsonaro”. Mesmo assim, em razão da pandemia, Moisés a classifica como “excepcional”. O número de mortes, o aumento do desemprego, a perda de renda e as mudanças culturais – tudo isso afetou sensivelmente o país. “Temas globais, como desigualdade social e crise financeira”, afirmou o professor, serão tão importantes quanto as questões locais. Tomara!

O apelo é aos ditames da inteligência.