Na última semana, o Facebook admitiu que milhares de funcionários terceirizados transcreviam áudios de usuários, inclusive conversas íntimas. Em sua resposta, o gigante de mídia eletrônica declarou que só foram afetados os assinantes do aplicativo Messenger que, no termo de adesão, haviam optado por ter suas conversas transcritas.
É impossível negar que a tecnologia e as redes sociais transformaram radicalmente o conceito de privacidade, com pessoas voluntariamente – mas nem sempre conscientemente – aceitando abrir mão dela em troca de serviços e lazer online. E o advento da internet das coisas flexibilizará ainda mais essa situação, com fabricantes de geladeira sabendo literalmente a hora em que o consumidor está com fome.
O volume de informações disponíveis na internet é abissal. Segundo a empresa Traficom, no segundo semestre do ano passado, a rede movimentou 1 bilhão de gigabytes de dados. Isso equivale a 10 mil vezes o conteúdo da Biblioteca do Congresso dos EUA, que tem 26 milhões de impressos. E esses dados são essenciais para o desenvolvimento de novos produtos. Em abril, a Amazon admitiu ter milhares de trabalhadores escutando conversas de sua assistente virtual, Alexa, com o objetivo de aprimorar o serviço. E, em 2015, a Samsung reconheceu que suas smart TVs ouviam os espectadores.
Essa perda da privacidade embute riscos políticos. Com base no vazamento de dados de 87 milhões de contas do Facebook – 443 mil no Brasil –, a Cambridge Analytica foi capaz de identificar eleitores indecisos e criar campanhas personalizadas para bombardeá-los com mensagens e vídeos. No Reino Unido, o resultado foi a surpreendente aprovação do Brexit e o início de um atoleiro que já custou o cargo de dois premiês.
A replicação desse modelo pelo mundo, com a emergência de doutrinas retrógradas em países de democracia consolidada, é um alerta de como a negligência com a privacidade digital pode ser um perigo não individual, mas para toda a sociedade.