O Brasil trata de resgatar a enorme dívida social e moral que acumulou ao longo de cinco séculos com os negros, trazidos da África pelos portugueses desde o início da colonização para abastecer de braços sua empresa comercial.
A prática não se limitou ao Brasil; ocorreu também nas colônias africanas de Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Guiné-Bissau. Outros colonizadores também a utilizaram, mas nenhum foi tão “eficaz” quanto Portugal.
A escravidão foi uma passo na história da humanidade. Na Antiguidade, os prisioneiros eram mortos. Marx avalia seu aspecto progressista quando os vencedores, em vez de eliminar os vencidos, passaram a transformá-los em escravos.
Antes dos descobrimentos da América e do Brasil, portugueses e espanhóis já tinham escravos africanos, a pretexto de salvá-los do paganismo. Mas o tráfico só ganhou expressão quando os negros foram incorporados à economia.
Durante quatro séculos, eles foram trazidos para trabalhar no Brasil, nas economias da cana-de-açúcar, do ouro e do café. O país importou cerca de 5 milhões de africanos, pouco menos do total dos enviados para toda a América.
Essa economia impediu o avanço dos ideais abolicionistas durante mais de um século. Os fazendeiros e a própria opinião pública resistiram o quanto puderam aos estadistas do Império no seu esforço para apagar essa mancha.
A República escondeu essa luta ao transformar a Abolição num gesto generoso de uma princesa numa das viagens de seu pai. Mas esta não fez nada pelos libertos e ainda incentivou a imigração estrangeira para substituí-los.
Ao contrário de outros países, o colonialismo português não precisou de leis para manter um apartheid social de fato. “Todo mundo sabia o seu lugar”, observou Joana Gorjão Henriques em seu livro “Racismo em Português”.
O Brasil de hoje tenta se desligar dessa herança terrível, que deixou traços em todos meandros da vida social. A maior demonstração disso é que aqui a desigualdade social se confunde com a desigualdade racial.