Multiverso combina com poeta.
Eu penso que ocorrem vidas paralelas da minha própria vida em outras dimensões.
Vivo aqui, mas há outros eus por aí.
Quando adotei uma direção numa encruzilhada, a direção que não tomei criou uma nova existência, à qual não tenho acesso.
A cada bifurcação, dupliquei meu caminho. A cada dilema, nasci no invisível.
Nesse sentido, em uma de minhas vidas paralelas, eu não caí acidentalmente numa cova aos cinco anos, não houve trauma para prejudicar a minha alfabetização, e fui brilhante na escola desde cedo. Eu me formei em Direito e passei nas provas do Ministério Público, fazendo-me reconhecido como orador veemente nos júris no Rio Grande do Sul. Segui a profissão do meu pai, e acabei sendo colega de ofício dos meus irmãos Carla e Rodrigo.
Numa segunda vida, eu decidi realizar o meu sonho de ser cineasta. No lugar de prestar vestibular para Jornalismo na UFRGS, peguei minha mochila e usei toda a minha coragem para me matricular no curso de roteiro de Gabriel García Márquez em Cuba. Depois, parti para a UCLA, em Los Angeles, onde me graduei com o meu primeiro média-metragem, premiado no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián. Recebi o prêmio Kutxa, destinado a obras cinematográficas que sejam os primeiros ou segundos trabalhos de seus diretores. Com a maturidade, eu me mudei para Nova York e me tornei um cineasta de referência poética sobre migrações.
Numa terceira vida, ao invés de interromper a minha docência na Unisinos, continuei como professor universitário e fui aprovado em concurso na Universidade Federal de Alagoas. Eu me transformei num dos maiores especialistas da poesia de Jorge de Lima, demonstrando o quanto a crítica realista podou o lirismo da vertente religiosa no país. Publiquei três livros de ensaio, e moro atualmente em frente ao mar, na Barra de São Miguel, visitado ora e vez por antigos alunos de Letras.
Numa quarta vida, o fato de eu ter caído numa cova em um cemitério de Guaporé (RS) me converteu em um estudioso da alma humana, dos medos e fobias diante da finitude. Eu virei psicólogo, atendendo em clínica, privilegiando a assistência às pessoas mais velhas. Fui convidado em 2022 pelo Governo Federal a colaborar na redação do atual Estatuto da Pessoa Idosa.
Numa quinta vida, abri um sebo na Savassi, chamado Inferno do Dante, colocando minha imensa biblioteca na roda. Eu me sustentei com pouco, mas cercado de amigos. Adquiri expertise em torras de café e comecei um clube de charutos. Deixei a minha barba crescer até a gola da camisa, e mantenho hoje uma legião de gatos, cúmplices silenciosos das leituras.
Eu confidenciei essas hipóteses biográficas para a minha esposa Beatriz.
— E eu? — ela questionou.
Daí eu respondi, prevenindo seu ciúme de encarnações simultâneas:
— Fique tranquila, em todas as vidas sou casado com você. Nosso amor nunca foi uma dúvida.