Certa vez, minha esposa cantarolou Panela Velha pela casa. Eu presto atenção no que vai no timbre de Beatriz.
“Ela é madura, já tem mais de trinta anos
Mas para mim o que importa é a pessoa
Não interessa se ela é coroa
Panela velha é que faz comida boa.”
A letra foi composta em 1978 por uma dupla de trovadores gaúchos, Celmar de Moraes, o Moraezinho, e Auri Silvestre, e se tornou famosa na voz de Sérgio Reis.
Uma passagem me saltou aos ouvidos:
“Ela é madura, já tem mais de trinta anos”.
No fim dos anos 70, há quase cinco décadas, considerava-se velho quem tinha trinta anos. Não dá para acreditar. Trinta anos hoje é o jovem do jovem, o pleonasmo da juventude.
A longevidade mudou mesmo. Fui tentar me lembrar do período. Meus pais estavam quarentões, e realmente achávamos que se encontravam na rapa do tacho. Já sentíamos medo de que morressem. Já estavam perto de se aposentar. Os tempos eram outros. Começava-se a trabalhar com carteira assinada aos 15 anos. Não havia essa transição entre a infância e a maturidade chamada de adolescência. Meus pais jamais foram adolescentes.
Essa longa puberdade atual corresponde à faixa etária entre 15 e 24 anos — ou, para os mais clássicos da lei, entre 12 e 18 anos. A adolescência acabou sendo consolidada pelo mercado para compensar a proibição de propaganda infantil.
O entretenimento se mostrava pródigo com os comerciais de brinquedos. Tanto que eles patrocinavam os programas na televisão aberta (Balão Mágico, Xou da Xuxa, Casa da Angélica, Bom Dia & Companhia), que desapareceram com o fim dos anúncios.
Jingles viravam chicletes: “La lé li ló Lu Patinadora”, “Big Trem”, “Danoninho me dá, me dá”. Chocolates vinham na forma de cigarros. Sucos em pó dominavam as mesas de aniversário.
Havia um endeusamento da infância, substituído pelo poder aquisitivo da adolescência.
Simultaneamente, o avanço da ciência revolucionou a saúde, não apenas no combate a doenças, mas também no modo como lidamos com o envelhecimento. A medicina, além de se preocupar com a sobrevida, busca oferecer mais qualidade de fruição, com tratamentos preventivos, intervenções menos invasivas e controle eficaz de doenças crônicas. Os avanços na estética e nas cirurgias plásticas democratizaram o acesso a procedimentos, antes restritos e exclusivos, permitindo que mais pessoas retoquem a aparência para alimentar a autoestima.
Um exemplo é o implante de silicone nos seios. Nos anos 70, era tosco: próteses grandes, duras, com formatos artificiais e desproporcionais ao corpo. Ficava visivelmente artificial — seios arredondados demais, altos demais, assemelhando-se a “bolas grudadas no tórax”. Pedia uma incisão maior, acarretando uma recuperação dolorosa e riscos de rejeição ou encapsulamento.
Os implantes evoluíram radicalmente: apresentam textura mais natural, formatos anatômicos (em gota), tamanhos variados e técnicas refinadas, como a colocação por cortes menores e em planos musculares mais adequados. Assim como a rinoplastia, que se destinava à reconstrução dos traços, fraturas e desvio de septo, e no momento dá destaque à harmonização facial.
Na década de 1970, a expectativa de vida no Brasil era de cerca de 59 anos. Agora passa dos 76 — um acréscimo de quase duas décadas em meio século. Num futuro próximo, será normal viver 100 anos.
Mães e filhas se parecem, avós e mães se equivalem, pais e netos não são mais tão contrastantes. Adivinhar a idade de alguém é uma temeridade.
Ninguém ousaria dizer que Susana Vieira tem 82 anos. Ou que Ana Maria Braga tem 76.
Não existe mais panela velha. Tudo é frigideira — fina, leve, e antiaderente à velhice.