No meu primeiro aluguel em Belo Horizonte, encantei-me com uma despensa. Um quartinho inteiro para colocar os produtos não perecíveis. Achei coisa de rico. Logo telefonei para a minha mãe gaúcha:
– Acredita que a casa tem uma despensa?
Os butiás caíram de seu bolso.
Nenhuma portaria 24 horas, piscina, salão de festas, academia produziria o mesmo efeito de surpresa materna. Luxo na vida correspondia a ostentar uma despensa. Eu tinha uma despensa para chamar de minha.
Jurei que era uma exceção, até que espiei outros apartamentos de amigos, e eles apresentavam, de regra, aquele espaço. Apesar da limitação dos metros quadrados, em ambiente econômico e enxuto, havia um oratório reservado no fundo da cozinha para o arroz, o feijão e massa.
No Rio Grande do Sul, dificilmente um imóvel é planejado sem churrasqueira. Preferível uma churrasqueira a uma garagem. Sua ausência desvaloriza muito o pregão imobiliário, faz o preço do endereço despencar.
Em Minas, a churrasqueira é a despensa. É uma geladeira da sombra, o closet das sacas. Ninguém abre mão.
Existe no espírito mineiro um pendor para o armazém de secos e molhados. Mantém-se o costume de acondicionar comida para não se sofrer com a inflação.
Alimentos são poupança, são investimento, são riqueza acumulada.
Predomina a prevenção acima dos interesses mundanos. O caos da Venezuela, com a falta de produtos nas estantes, jamais se repetiria nas nossas vizinhanças. É possível sobreviver dois meses sem supermercado.
Mineiro protege os seus ideais tropeiros e está preparado para qualquer guerra ou suspensão de abastecimento. Ainda que o país entre em colapso, o estado se conversa de pé pela providência secular de seus moradores.
Toda cozinha é um estoque para enfrentar a recessão e a carestia. Compram-se as ofertas para guardar ao futuro, não para serem consumidas a curto prazo. Se a farinha está em liquidação, arrebatam-se logo quatro sacos. Pensa-se lá adiante, jamais para se saciarem as necessidades imediatas.
A máxima aplicada é: “um dia posso precisar”. A lista das compras não muda os seus itens, porém tem o adicional dobrado pela quantidade. O carrinho é capaz de virar caminhão no guichê de pagamento.
Tanto que comecei a gastar mais para povoar o lugar, encher as prateleiras de pedra com provisão dos próximos meses. Ranchos semanais começaram a ser mensais, só para se desfrutar do direito de armazenagem. Não iria desperdiçar o santo estoque.
Meus cuidados chegaram ao extremo do capricho ao roubar a maior parte dos prendedores de roupa para fechar os saquinhos abertos. Atingi as raias da obsessão ao iniciar um caderninho com a relação de compras feitas com antecedência, controlando a entrada e a saída, dando baixas e fiscalizando o vencimento.
A família já estranhou as manias, mas deixou passar.
Fui interditado no momento em que exagerei, tranquei a despensa e escondi a chave da família.
– Você está mineiro demais, me devolve a chave? Pediu a minha esposa.
Ela estragou o meu plano de um cofre e o controle de tudo o que estávamos consumindo na mesa. Não ter nascido aqui é um problema para justificar os meus atos.