O amigo-oculto fracassou em Minas Gerais. Vingou em qualquer lugar do país; aqui, não.
O mineiro faz questão de dar presente personalizado aos familiares.
Não gosta da ideia avarenta de sorteio e de beneficiar apenas uma pessoa com valor estipulado. Ele odeia ser censurado, ainda mais nas datas festivas.
Pode ter economizado o ano inteiro, pode ter passado por sacrifícios e renúncias, pode ter almoçado feijão com arroz todo dia, mas Natal é Natal, e ele abre a mão e os braços para a generosidade.
Como a família é infinita, com primos, tios, tias e agregados, assassinou os limites do amigo-oculto. A tradicional confraternização foi um fiasco histórico em nossas montanhas. Sempre havia alguém que comprava um mimo a mais e oferecia por fora da brincadeira, quebrando as regras e a igualdade das condições para os participantes. O concurso terminou sendo boicotado pela maior parte das casas e das empresas.
Reina uma competição mineira por afeto que foge da padronização do mínimo. Os parentes pretendem alcançar o status de oferta inesquecível e disputam com os mais próximos o posto de melhor presente.
Já vi vó receber geladeira, fogão e televisão dos mais variados netos. Parecia o “Baú da Felicidade” do Silvio Santos ou o caminhão do Luciano Huck. Um ficou sabendo o que o outro iria oferecer e foi comprando algo maior, para a felicidade da matriarca. Criou-se um leilão pelo colo dela, um pregão pelo sorriso dela.
Enquanto o amigo-oculto é rifa nos demais Estados, em Minas é Mega-Sena.
Os presentes permanecem espontâneos e inesperados, não se sujeitando aos preços módicos de brindes e lembranças. O pão-duro não tem nenhuma chance de brilhar e suspirar de alívio. Ninguém encerrará a noite triste e frustrado, com um CD muquirana ou um pacote de meias.
Antes mesmo de montar a árvore com luzes e bolinhas coloridas, as pessoas já saem para compras. Minha mulher Beatriz, desde novembro está surgindo na porta com sacolas para o encontro natalino. Não duvido que já tenha comprado algo para todos. Vai parcelando as semanas de véspera, com absurda antecedência, para recordar de cada um dos envolvidos na ceia.
Destoa de minha lerdeza, pois, como bom gaúcho, eu me preocupo com os embrulhos na última hora. Talvez no final de semana do próprio feriado.
Beatriz é a encarnação mais fidedigna da Mamãe Noel, formando um saco implacável e misterioso de surpresas. Não há mais prateleira vaga em nossos armários, de tanta coisa que já foi escondida entre as roupas.
Eu, no máximo, sou uma rena correndo atrás, catando o que sobra das lojas.
Esses dias, eu vi uma lista de nomes devidamente riscados em cima da mesa da cozinha. Perguntei se faríamos alguma festa e se aquilo representava a lista de convidados. “Não”, ela me disse, “era a lista de presentes”. Mas contei mais de 20 nomes! “Pois é”, ela me respondeu, “esses são os básicos, os que não podem faltar”.
Tenho o costume de presentear pais, filhos e esposa, o pequeno comitê de afetividade. Costumo deixar de fora irmãos, sobrinhos e amigos. Não sofria de culpa, até agora.
Ela, pelo contrário, apresenta a nominata de um partido político. É um reduto eleitoral mais do que uma família. Tem gente ali que nem conheço, só ouvi falar.
Diante de sua magnânima memória, eu venho me sentindo o mais ingrato dos mortais.
Ou procuro terapia, ou entrego o meu 13º salário de uma vez para a festa mineira.