FABRÍCIO CARPINEJAR

Como é o mineiro no trânsito

Mineiro odeia estacionamento pago. Prefere estacionar na rua. É capaz de dar voltas e voltas no quarteirão, gastar litros de gasolina, até achar um lugarzinho perto de seu compromisso


Publicado em 04 de agosto de 2019 | 03:00
 
 
 
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Mineiro não dirige mal, dirige bem, só que tem uma personalidade difícil e teimosa que só vendo. Pode dizer para ele que o certo é o certo em qualquer lugar, e ele vai dizer que o certo é o costume. 

O Detran deveria aplicar aqui uma prova diferente para a obtenção da CNH. Para evitar constrangimentos. 

Quando alguém dá seta para pedir passagem, em vez de reduzir a marcha, o mineiro acelera.

Acontece o contrário: ligar a seta é não conseguir trocar de faixa. Pensei que fosse uma brincadeira, um racha informal, para que todos aumentassem a velocidade. Ou um artifício para evitar oportunismos e entradas malandras. Quebrei a cabeça para entender o processo. 

Descobri que há a mentalidade de que, se você escolheu uma faixa ao sair de casa, é para a vida inteira. Acostume-se ou escolha melhor da próxima vez. Mineiro abomina quem troca de opinião: se você é galo é galo, se você é raposa é raposa, ponto final.

É também de estranhar que os mineiros corram na faixa da direita, destinada aos carros mais lentos. As ultrapassagens são feitas pelos dois lados. Os veículos realizam zigue-zague como se fossem motos. Então, cuidado com quem está devagar, uma hora correrá também. 

Os quebra-molas não são respeitados. Num estado de montanhas, quebra-molas é uma acne na estrada. Motorista não reduz para passar pelo insignificante obstáculo. Sente-se desafiado pela trepidação. Diverte-se em encostar a cabeça no teto a cada passagem. 

Mineiro confia que um desembarque será rápido, que não consumirá tempo nenhum. É do seu costume parar em avenida com placa de proibido para deixar alguém ou buscar algo. Não está nem aí para o povo agarrado em seu retrovisor. Tem sangue-frio. Mesmo que crie uma fila atrás de si, não muda seus planos. Nem liga o pisca-alerta pois não vai demorar. Parte do princípio de que as pessoas estão muito estressadas. 

Mineiro usa a buzina em último caso, na vitória de seu time. Ele igualmente nunca ofenderá alguma barbeiragem na hora, soltará todos os palavrões quando entrar em casa.

Mineiro odeia estacionamento pago. Prefere estacionar na rua. É capaz de dar voltas e voltas no quarteirão, gastar litros de gasolina, até achar um lugarzinho perto de seu compromisso. Para obter uma vaga, roda e roda incansavelmente como se estivesse num carrossel, mas não desiste, mesmo que esteja atrasado. Sua maior alegria é comentar que conseguiu num espaço sem faixa azul. Comemora a vantagem com entusiasmo de prêmio lotérico. 

Mineiro acredita em Deus, mas jamais no reboque. Arrisca deixar o seu veículo na frente de uma garagem ou meio-fio pintado de amarelo. Faz uma disputa com o relógio para voltar mais cedo do que a multa. Se receber uma infração, não comentará que errou, mas que foi um azar. 
Mineiro não foge do rush. Quer mesmo enfrentar o engarrafamento de peito aberto. O Waze pode indicar uma rota mais rápida que ele irá negar. Não admite que um robô mande nele - apenas a mãe tem esse direito. Quando põe uma rota na cabeça, nada o demove de seu destino. Talvez Minas Gerais seja o estado com a maior desobediência ao aplicativo. 

Tudo é pertinho para o mineiro. Contagem é pertinho. Betim é pertinho. Confins é pertinho. Tudo é Belo Horizonte. Não se importa em rodar 200 quilômetros num passeio de final de semana. Guarda em si o espírito aventureiro de mascate, de desbravador de territórios. Crianças nem mais perguntam se estão chegando, conformadas em sempre viajar. 

Mineiro que é mineiro ama estar na rua, em trânsito, porque significa que aproveitou o sol e o dia bonito.

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