Motorista mineiro de táxi e aplicativo é curioso, só que bem contido.  

Não virá com um catatau de dúvidas logo de saída. Não é festivo na hora de abrir a porta do seu veículo. Não dará nenhum cumprimento efusivo, forçando intimidade. Não falará sobre o tempo ou soltará alguma observação política ou esportiva para gerar interesse.  

Respeita o seu momento, testa a temperatura do seu humor.  

Tampouco sofre com o mal-estar da ausência de contato. Não pretende estabelecer um interrogatório indiscreto, muito menos conquistar a amizade de imediato. Ele espera a sua reação. Vai pelas bordas, de mansinho, soprando o quente da vida.  

Os turistas podem estranhar, mas ele faz perguntas parceladas. Espaçadas. Não continua a conversa. Inicia e depois desaparece na quietude, numa neblina mental.  

Em 40 minutos de viagem, enfrentará no máximo quatro questões. Uma a cada dez minutos.  

Lembro que voltava do aeroporto. O motorista permaneceu calado até a Cidade Administrativa. Do nada, ele me indagou:  

– Acho que já fiz uma corrida com ocê.

Respondi que eu era um ótimo fisionomista e deveria estar se confundindo.  

Não recebi retorno, réplica, emenda. O link restou solto no vácuo da navegação. A conexão entre nós caiu de repente.  

Retomei a concentração em meu celular.  

 Após dez quilômetros, ele volta:  
 
- Ocê não é médico-legista?  

 Aquilo me confundiu. Não porque acreditei que tivesse cara de médico-legista, não passou tal disparate pela minha cabeça, mas demorei a concatenar os fios e entender que era a pergunta que continuava a pergunta de tempo antes.  

Eu fiz um gracejo:  

– Não sou. Exumo palavras.  

O silêncio desceu a sua pesada cortina de novo no palco de nosso encontro.  

Alguns semáforos adiante, ele insiste:  
 
– Ocê não é paulista?  

– Sou gaúcho.  

 Eu percebia que ele estava crente de que me conhecia e não se dava por vencido, buscava catar uma conexão com o passageiro do seu passado, comparando antecedentes e cruzando informações em seu arquivo.  

Nesse instante, atendi no viva voz uma ligação de minha mãe, que está organizando um livro infantojuvenil. Avisou que me mandou um e-mail e gostaria da minha leitura.  

Assim que encerrei o telefonema, ele se interessou:  

– Sua mãe é escritora?  

– Sim, ela e o meu pai, e eu também.  

Deduzi que agora havíamos quebrado o gelo e brindaríamos amenidades, que embalaríamos o papo, que trocaríamos dedos de prosa, que engataríamos a segunda marcha da apresentação, porém ficou por isso. Ele se tocaiou nas notícias do rádio e não falou mais.  

Não estava triste ou frustrado com a minha reação. Pelo espelhinho, via que conservava uma serenidade irremovível. Suas sobrancelhas não se mexiam. Não insinuava caretas de contrariedade.  

Ao me despedir dele e agradecer o percurso, no portão do meu edifício, ele abriu o vidro do seu Ford Focus e acenou:

– Foi um prazer te rever.  

Rever? Mineiro é teimoso mesmo. Fui embora com a minha feição de médico-legista.